Doce veneno

Uma formiguinha sobre a mesa. Um desavisado olha a cena e segue em frente para focar em outras coisas. Aquele inseto minúsculo vagando sem destino realmente não merece atenção. Mas eu bem conheço esse tipo e sei que não se trata de uma mera caminhada visando fitness. É uma expedição em busca de seu mais profundo desejo: os doces.

A aventura ganha um futuro promissor quando a formiga avista de longe algo viscoso com aroma gostoso. Ela se aproxima com cautela mas a tentação toma conta de imediato. Para outros, pode ser um pingo insignificante de uma substância desconhecida. Mas, para ela, é uma poça deslumbrante que vai render um banquete inesquecível. Ela faz uma degustação rápida e decide que essa é a melhor coisa que já encontrou na vida.

O que a formiga ainda não sabe é que o desejo exagerado está comprometendo seu juízo. Ela não percebeu mas está fora da realidade, enxergando o mundo agora através do castelo de fantasias que seu cérebro montou. De um segundo para o outro, o inseto ingênuo previu para si e seu doce amor um futuro brilhante que recompensa o trabalho árduo e diário. E ela ainda ficará famosa pelo feito, reconhecida por toda a comunidade! A fé de que este é o momento chave no qual sua história ganha uma narrativa épica é tão forte que a formiga nem cogita que aquilo possa ser uma armadilha.

Se ela simplesmente olhasse para cima, veria algo como uma gigante que, por um acaso, sou eu. E eu quero vingar-me (com o perdão da forte palavra) desse formigueiro secreto que uma semana antes devorou um chocolate que pus sobre aquela mesma mesa. Houvesse notado minha presença, talvez desconfiasse que o tesouro que ela degusta é, na verdade, veneno.

Sim, instantes antes eu havia corrido até os fundos da casa para pegar minha arma letal. As instruções diziam que o ideal é despejar o veneno perto, mas não diretamente sobre a rota da formiga. Ela precisa ter a impressão de que encontrou algo por puro talento, senão ficará desconfiada e rejeitará o alimento. A sensação precisa ser de conquista por mérito ou não vale a pena. E eu, apesar da raiva das formigas por outrora terem comido meu chocolate sem pedir licença, pude admirá-las nesse quesito.

O meu plano maligno funcionou. Em questão de minutos vi uma multidão de formigas trabalhando com uma técnica detalhada. Queriam tanto prosperar com aquele achado e usufruir de seus doces frutos que nenhuma delas parou para pensar nas consequências. Mas, de observar aquele grupo levando para casa o que mais tarde representaria um genocídio, eu me senti amargurada e triste.

Eu, que muitas vezes já trouxe para minha vida algo ruim e tóxico achando que era uma dádiva, certamente pude me identificar com o erro das formigas. Não é exatamente burrice mergulhar de cabeça diante de uma oportunidade que promete ser fantástica. Você batalha tanto por um ideal que é difícil controlar a empolgação quando desconfia que está chegando perto de uma vitória magnífica. O que vi nas formigas foi um erro extremamente humano. Essa coisa de ficar cego e meio inconsequente diante da possibilidade de realizar um sonho.