Máscara Consciente

Edite Miranda era uma vereadora muito conhecida. Não era perfeita, mas era admirada, sabia sim fazer uma boa política, era honesta, integra acima de tudo. Isso era o seu diferencial, era o que fazia ela sempre estar na mídia, ser conhecida. Um raro exemplar de política honesta. Aquela mulher forte, decidida até mesmo impactante odiava aparecer principalmente em fotos. Muita gente não entendia o porque.

Aninha foi contratada como sua assistente. No começo ela tinha um certo medo de Edite. Mas depois de um mês relaxou um pouco, mas um dia encontrou sua patroa aos prantos. Ela não sabia o que fazer se continuava a entrar na sala, se fingia que não tinha visto aquilo e voltava pra trás ou se perguntava o que a mulher estava sentindo. Ficou uns minutos na porta parada, boquiaberta até que Edite a viu e limpou as lágrimas e a convidou para sentar.

- Olha dona Edite, desculpa a porta estava aberta... Eu já estou de saída.

- Não... Fique! Por favor... Eu... Eu preciso desabafar.

A jovem arregalou os olhos e Edite entre lágrimas se abriu naquele momento.

- Eu tenho pouco mais de trinta anos e vim de minha cidade natal pra viver aqui por causa do meu marido Carlos. Eu me apaixonei e essa paixão me fez abandonar meu lar. Mas nos primeiros anos eu tinha um contato constante com eles mas depois... Depois da convivência com o Carlos...

Edite começou a chorar e Aninha sem saber como reagir apenas ficou calada...

- Desculpe Ana, eu nem tenho direito de despejar os meus problemas assim... Dessa forma em cima de você, te assustando.

- Que isso Dona Edite... Eu... Eu te ouço. Se é isso que a senhora precisa, eu te ouço... Continue.

- Você sabe que as pessoas comentam de mim. Desse meu pavor por fotos, desses meus óculos escuros que eu quase não tiro. Dessas mangas compridas mesmo no verão...

- Não falam não Dona Edite...

- Eu sei que falam...E você sabe porque estou sempre assim? Com essas mangas longas? Com esses óculos?

Aninha fez que não com a cabeça enquanto arregalava os olhos vendo Edite mostrar os hematomas em seus braços e o olho roxo.

- O Carlos... Ele é violento... Ele espanca ás vezes... Por ciúmes, por paranoias, coisas infundadas. Mas eu gosto dele e por isso eu me escondo... Eu me escondo das fotos mesmo sendo uma pessoa pública. Eu me escondo da minha família. Eu não queria que eles me vissem assim.

As lágrimas corriam pela face de Edite e Aninha ali parada mais estarrecida que tudo continuava boquiaberta ouvindo o desabafo.

- Sabe... Eu nunca me imaginei entrando em uma delegacia e fazendo uma queixa contra ele. A cidade é pequena, ele é um médico muito respeitado. Eu sou vereadora... Seria um escândalo... Entende?

Aninha não mostrava nenhuma reação, mas ela não entendia... E a vereadora continuou a falar.

- Meu pai é prefeito da minha cidade. Ele que convenceu o Carlos a me deixar entrar na política aqui... E Carlos deixou sei lá sobre essa pressão do papai... E eu me envolvi muito porque eu amo o que eu faço. Ele não entende isso... Acho que eu quero é traí-lo... E culpa a política pelo fato de não termos filhos... Mas não é nada disso. Ele é médico, mas ele não aceita, eu não sei, ele não entende que a culpa não é minha... Eu tento engravidar desde o casamento... Já fiz tratamentos, ele também mas não conseguimos até hoje.

Edite tremia falando... E andava de um lado pra outro na sala enquanto Aninha parecia uma estátua de olhos arregalados assentada naquela cadeira.

- Minha mãe adora o Carlos... Meu irmão foi seu melhor amigo durante a faculdade... Imagina a decepção que eles teriam. Eu prefiro sofrer tudo sozinha, tenho medo da reação deles... então faz anos que eu os evito.

- Mas dona Edite até eu que sou meio burrinha... Sei que existe delegacia pra esse tipo de coisa. Tem como denunciar até no anonimato, eu vi na TV.

- Eu sei Ana, mas eu sou uma figura pública, ele também, meu pai... Eu tenho vergonha. Muita vergonha, talvez mais vergonha que medo.

- Dona Edite, olhando pra senhora não dá pra imaginar que a senhora é espancada por um homem e fique calada. Logo a senhora que ajuda tanto os outros. Eu não entendo.

- A gente vive uma vida mascarada não é Ana? E acostumamos com isso... Eu sei ajudar os outros, mas não sei me ajudar. Se eu denuncia-lo isso não vai acabar só com ele, mas comigo também com meu pai, minha mãe...

- Dona Edite, a senhora tem ir na delegacia... Um dia a senhora vai ter ir... Vai ser isso ou a morte. Já pensou?

- Eu sei Ana... Eu sei de tudo, eu sei da lei, sei dos meus direitos, sei que posso ... Ou melhor devo fazer isso. Mas mesmo com toda instrução que eu tenho, toda sabedoria, meus sentimentos de medo e vergonha prevalecem...

- Ô Dona Edite... Só da senhora ter desabafado comigo, quase uma estranha e assim do nada já mostra que a senhora não aguenta mais isso... E mostra coragem. Acho que isso foi o primeiro passo né?

Edite concordou com a cabeça.

- Incrível né a visão que os outros tem da gente. Eu forte, defendendo o povo, lutando pelos outros não consigo ter forças pra me defender. Eu sei dos diretos das mulheres, luto por elas mas tenho medo, tenho vergonha, tenho insegurança... E pra não perder tudo eu acabo machucada.

- E de que adianta isso? Se machucada a senhora não vai ajudar os outros?

Depois dessa conversa vieram outras e outras... Daquele primeiro desabafo surgiu uma amizade verdadeira. Elas se tornaram cúmplices, dividiam segredos e esperanças.

Mas Edite continuava com medo. O pior não era seu medo, o que a torturava era que ela sabia todos seus direitos, sabia tudo que aconteceria, sabia que a lei estava do seu lado mas nada fazia. Anos depois se deixou vencer, saiu da política enquanto instruía sua substituta Ana. Escondido do marido pagou os estudos da moça que se formou em Direito.

No dia da formatura de Ana, Edite foi encontrada morta... E Ana desde então se tornou uma vingadora de sua amiga. Ela se dedicou a defender as mulheres... E conseguiu deixar o Dr. Carlos na cadeia.