INFÂNCIA EM ROLÂNDIA - NORTE DO PARANÁ

MINHA INFÂNCIA NA ROÇA NOS ANOS 60 NO NORTE DO PARANÁ ( 2ª PARTE )

Passava quase todas as minhas férias escolares no sítio dos meus tios e avós. Acordávamos de madrugada quando os pássaros começavam a alvorada nas árvores do pomar e na mata próxima do riacho. É claro que o galo também já estava cantando nesta hora (já estava até rouco). Tomávamos um café reforçado com pão, café e leite. A manteiga era feita no próprio sítio (minha avó batia a nata do leite). Quando não tinha manteiga usávamos gordura de porco, queijo branco ou torresmo para comer junto com o pão. Meu tio ia para o curral ordenhar as vacas. Eu e meus primos corríamos para lá com canecas na mão para tomar o leite com espuma e açúcar que o meu tio esguichava diretamente dos tetos da vaca.

BRINCANDO EM MEIO À NATUREZA

Depois deste leite delicioso íamos para o rio pegar seixos (pedras arredondaras) para a nossa costumeira caçada de estilingue. As pedras colocávamos em um embornal atravessado no ombro. As vezes ficávamos uma manhã inteira atrás dos pássaros mas não conseguíamos abater nenhum ( eles eram muito ariscos ). Quando não era com estilingue pegávamos pombas juritis com arapucas feitas de taquara e arame. Após "tratar" (dar comida ) aos porcos e vacas muitas vezes selávamos os cavalos e saíamos a cavalgar pelas estradas da região que eram muito bonitas. Não havia perigo... todas as pessoas eram boas e conhecidas. Passávamos por elas e dizíamos "dia" ( era o jeito caipira de falar bom dia). Lembro-me até hoje das paisagens... dos rios... estradas.. o cheiro da terra... o perfume da florada do café... o barulho das águas do riacho... O ar próximo ao rio era muito gostoso e tinha um cheiro especial... O almoço era servido as 10 horas. Primeiro tínhamos que levar as marmitas para os adultos que estavam na lida da terra... carpindo ou colhendo café. As marmitas era envoltas em guardanapos de panos com nós nas pontas. Nas marmitas além do arroz com feijão sempre vinha um ovo frito, um pedaço de carne de porco ou de frango.. um pedaço de torresmo... mandioca frita... As variações eram feitas com legumes da época e saladas. A sobremesa estava ali do lado no pé de laranja ou de tangerina. Era só pegar. As vezes a minha avó colhia na hora um pepino ou uma pimenta para complementar a alimentação. A tarde depois de alimentarmos novamente a galinhas, porcos,vacas e cavalos íamos para o rio nadar ou pescar.

NADANDO NO RIACHO

Para nadar tínhamos que represar o riacho que era muito raso. Juntávamos pedra e galhos e fazíamos o rejunte com argila. Quando a água chegava na altura dos joelhos para nós já era uma alegria. Já podíamos nadar estilo "cachorrinho". Minha avó ficava na margem olhando e cuidando para ninguém se afogasse (como se fosse possível naquela água rasa). Meu tio Mané uma vez nos ensinou que engolindo um filhote de lambari vivo a pessoa aprende a nadar. Toda a molecada da família engoliu um lambarizinho vivo. Coitadinhos... (dos lambaris). O efeito psicológico foi bom pois todos nós aprendemos a nadar para "o gasto". As vezes levávamos peneiras para pescar. Sempre pegávamos lambaris, cascudos e camarões. Mas o que vinha mesmo eram girinos ( filhotes de sapo). Argh!.. não gosto deste bicho....

FAZENDA DE MENTIRINHA

Outro brinquedo na roça consistia em montar sítios de mentirinha usando chuchus, abobrinhas e laranjas para fazer de conta que eram vacas ou cavalos. Espetávamos gravetos neles imitando as patas e as cabeças. As cercas eram feitas de barbante. As casas, curral e paiol fazíamos com tijolos e pedras. Fazíamos os "caminhos" e "estradas" todas enfeitadas com flores. Aquele que tinha sonho de ser fazendeiro acabava com o chuchuzal da minha vó porque queria o pasto cheio de bois ( haja chuchu). Mas a minha avó era esperta... à tarde quando acabávamos de brindar ela ia lá e pegava os legumes para cozinhar para o jantar ( a gente nem ficava sabendo).

BRINCANDO DE TARZAN

Uma vez, imitando o Tarzan do cinema, fizemos arco e flechas mas nunca dava certo. Queríamos que o arco atirasse bem longe a flecha. começamos a desenvolver técnicas. Cada dia fazíamos arcos com uma madeira diferente. Até que um certo dia meu tio Mané nos ensinou que a madeira boa para isso devia ser o marfim. tá... mas como iríamos saber no meio de uma floresta com milhares de árvores qual seria o tal marfim? Meu tio ensinou como era a cor do tronco e o formato das folhas e lá fomos procurar. Quando voltamos todos felizes com a que supúnhamos ser Marfim ele abanou a cabeça e disse: - Esta é "Farinha Seca". Mas não é que a tal "Farinha seca" era boa para a confecção de arcos!... Nossos arcos agora eram quase iguais ao do Tarzan. As flechas fizemos de taquaras e amarrávamos penas de galinha na parte anterior. Coitadas das galinhas!... até dar certo quase deixamos uma lá totalmente depenada. Agora faltava a lança. Logo achamos uma faca velha que foi pregada na ponta de um cabo de enxada. Graças a Deus que não nunca brigávamos entre nós porque agora estávamos armados de fato igual ao Tarzan. (Só ficou faltando a tanga).

CONSTRUINDO UMA JANGADA

Em outra oportunidade ficamos dias tentando construir uma jangada igual uma que vi também num filme do Tarzan ( ou era do Jim das Selvas? não tenho certeza). Toda madeira que usávamos afundava. Usamos até um tacho da minha vó.. mas que!... afundou... Pegamos a mantimenteira ( em forma de caixote)... também afundou... Até que mais uma vez o tio Mané nos deu uma grande ideia. Entre uma tragada ou outra do cigarro "palheiro" ele nos disse que a Imbaúva é oca por dentro e poderia dar certo... menino!.. ele salvou a pátria... agora sim.. tínhamos a jangada e também mais um herói... o tio Mané... que virou nosso ídolo. Ficamos todos metidos navegando de jangada na represa e pescando lá no meio do lago... armados de arco, flechas e lança (vai que aparece uma onça). Eu ficava com a flecha no jeito para flechar algum peixe grande ou algum jacaré... mas eles nunca apareceram...

CARRINHOS DE MADEIRA - FÓRMULA UM DE ROLÂNDIA

No final dos anos 60 e começo dos anos 70 tivemos aqui em Rolândia o auge do Kart na região. Além da pista do Kartódromo tivemos também algumas corridas nas ruas. O traçado de rua passava pela Av. Presidente Bernardes, Av. Castro Alves e travessas. A cidade inteira vinha ver o Peter Raab, o Johnny, o Caliento e alguns pilotos de Londrina. Eu, os meus irmãos, primos e amigos como não tínhamos dinheiro para comprar Kart que na época era um sonho de consumo impossível para a nosso classe social, fazíamos de madeira mesmo, conforme desenho anexo. E falo para vocês que as emoções eram muito mais emocionantes. A molecada cada dia aparecia com uma novidade. No começo o carrinho era feito apenas com uma tábua de comprido e as rodas pregadas em caibros. Para virar usávamos os pés no eixo da frente. Mas sempre tem os engenheiros que aperfeiçoam tudo... Foi assim desde o começo da humanidade... O meu irmão Paulo (não é a toa que se formou em engenharia) logo inventou um volante com um pedaço de caibro e uma roda pregada em cima... para virar o processo era feito com correntes presas no caibro e nas extremidades do eixo da frente conforme desenho. Para correr mais o Paulo ainda adaptou rolimãs dentro das rodas... foram semanas de experimentos até dar certo. Eu como sou mais folgado inventei o encosto para as costas... no outro dia todo mundo copiou. Usávamos tampinhas de pasta de dente para imitar os faróis e controles, até o meu saudoso pai descobrir porque sumia tantas tampas em casa... Foram muitos meses de experiências... no começo descobrimos que as rodas feitas de tábuas de perobas quebravam sempre no meio sempre que dávamos "cavalos de pau"... por que? por que? aí aparece o engenheiro Paulo Farina de novo... pensou.. examinou... e depois de horas disse: - temos que usar outras madeiras que não tenha estes pequenos trincos... tive uma ideia: - vamos falar com o pai do Martini que tem uma fábrica de carroças... - quem tem coragem de ir lá pedir? o homem tinha fama de ser bravo.... mas a necessidade era muita.. eu fui.... fiz até uma oração... depois que pedi, o homem ( era forte como um gigante) coçou a barba... olhou de lado. .. pensou em me mandar para aquele lugar, mas chacoalhando a cabeça foi até o canto do fábrica e foi separando uns pedaços bem na medida que precisávamos... eu acho que a madeira era imbuia ou canafístula... só sei que ele falou com sotaque de alemão: - esta aqui é a mais "durra" que tenho.. perguntei: - quanto é que lhe devo? ele coçando a barba de novo e sabendo que não tinha uma moedinha sequer responde: - não é nada não... chegando em casa fui saudado como herói pelos meus irmãos e primos... pensei comigo: - agora quero ver quem me vence.... depois de prontos os carrinhos fomos para os treinos. Juntávamos inicialmente uns seis carrinhos ali na saída para a represa, da rua Vladimir Gatti até o rio... um dia resolvemos virar para o lado da chácara do Seu Angelin Sartori... pra que? um dos filhos dele era bravo e deu um carreirão em nós dizendo que estávamos assustando as vacas e que elas não estavam mais dando leite... ele veio com uma vara na mão.. o duro foi subir a ladeira carregando o carrinho nas costas... estes brinquedos ficaram tão famosos que teve um certo dia que marcamos o grande prêmio de Rolândia de Fórmula 1 de rodas de pau.. compareceram além de mim... o Paulo Farina, Marcos Farina, Pedro Farina, João Carlos Farina, Luiz Martinez, Jair Qualio, Mauro Rodrigues, José Carlos Andrade, Ademir Andrade, o Amendoim, Pelé, Toninho Lovato, Edson Paraná, Toninho Mazieire e também o pessoal do Paulinho Vieira e Estevinho Hizo. Todos os carrinhos enfileirados foi dado a ordem de largada por um "sapo" que estava ali assistindo... cara!.. pena que não tinha filmadora e o Blog do Farina... alguém tinha que filmar aquilo... a descida era "braba" e os "possantes" foram desenvolvendo velocidade... muita poeira ( não havia asfalto)... chegando ali onde temos hoje o Big-Frango as "máquinas" já estavam a 40 km/p/hora... ao chegarmos onde hoje é o bosque dona Martinha já estávamos a 80 km/p/hora aproximadamente...(verdade)... neste trecho a maioria já tinha desistido e jogado o carro no barranco para parar ( muitos freios pegaram fogo de tanta fricção)... alguns traziam uma garrafinha de água para esfriar o "ABS" ( Aperta bem que Segura)... muito perderam os sapatos ou botinas tentando parar usando os pés.... alguns quebraram... outros se esfolaram... outros perderam as rodas... de repente aparece um cachorro na minha frente... como não tinha buzina gesticulei com uma mão e gritei: - passa!.. passa!.. quando ia rebentar o bichinho ele deu um pulo para cima e correu para o lado e ficou olhando e latindo para mim... ufa!... pensei que fosse dar "pit stop"... Nos últimos 100 metros ficaram na prova eu.. o João Farina e o Toninho... para não dizer que menti muito, vou falar que empatei com o Toninho o o João Farina chegou em 2º... e sabem como paramos? sim... dentro da represa do Ingazinho... Mas foi bom... estávamos marronzinhos de terra... iríamos precisar de qualquer jeito de um banho... duro mesmo foi mergulhar na represa para retirar as "máquinas quentes" do fundo do lago... o meu primo, João Farina, saiu da aventura com lucro... quando mergulhou para retirar o seu carrinho encontrou um outro lá abandonado...

LAMPIÃO DE VAGA-LUMES

Em outras férias no sítio do meu tio, meu irmão Pedro foi junto. Na primeira noite ele ficou com medo dos ratos enormes que costumavam "passear" pelo quarto. Ele pediu ao tio Mané para deixar uma lamparina acesa, mas ele disse que não podia por causa da fumaça que depois de algum tempo prejudica a saúde. Com dó do Pedro o primo Toninho teve uma ideia que salvou a pátria ( O Pedro já estava querendo voltar à pé para Rolândia). Na boca da noite saímos pegando vaga-lumes e colocando dentro de uma garrafa transparente. Não é que deu certo. Agora o Pedro ( e nós também) tínhamos lâmpadas de graça e sem fumaça. Só que o tio Mané falou para o Pedro para ele de vez quando soltar a rolha para os bichinhos respirarem. Resumo: o Pedro não sentiu mais medo mas também não dormiu.. ficou a noite inteira cuidando dos bichinhos.

PRIMEIRA BEBEDEIRA

Na falta do que fazer em outra oportunidade fomos visitar o alambique de pinga que tinha lá na vizinhança. Como somos bastantes curiosos ficamos ajudando o senhor Constantino (dono do alambique) até que saísse a pinga após o processo de destilagem. Ajudamos a cortar cana.. moer a cana.. fermentar a cana... ferver o caldo... e aí.. tan tan tan tan... enfim saiu ou caiu a famosa pinguinha brasileira diante dos nossos olhos... toda branquinha...cheirosa... (deu até vontade)... Como trabalhamos bastante o senhor Constantino encheu um copo da pinga da mais fraca e deu para nós. A sede era tanta que bebemos como se fosse água. O senhor Constantino teve que se ausentar dali e aproveitamos para beber mais... O resultado é que chegamos em casa os quatros abraçados para não cair... cantando "Saudade do Matão" e rindo sem parar. Minha vó Dolores quando viu a cena começou a chorar... o que que a Tana (minha mãe) vai falar de mim?... vai falar que dei pinga pra vocês!... que eu não cuidei de vocês... Tivemos que prometer que não contaríamos para a minha mãe senão nunca mais poderíamos voltar em férias no sítio.

TRABALHO NA ROÇA

A molecada da nossa família a partir dos 6 ou 7 anos já ajudava os pais nos serviços da roça ou da casa. Além de tratar dos animais tínhamos que ajudar a plantar e colher arroz, feijão e milho. Limpávamos também os troncos dos cafeeiros com as mãos, afastando os grãos de café para que os adultos pudessem rastelar e peneirar o café.

MATANDO UM PORCO

Um dia divertido na roça é quando o meu tio ou o meu avô matavam porcos cevados. Fora a parte triste de ver e ouvir o porco agonizar e gritar durante minutos, gostávamos de ver limpar o couro para tirar os pelos. Esta tarefa era feita com folhas secas de bananeiras em chamas ou com água fervendo. Após passavam uma faca super afiada como se estivessem fazendo a barba. Após estar limpo o porco era colocado sobre um giral de madeira onde era partido ao meio. As ferramentas eram facões, martelo e machadinha. Já em duas partes começavam a retirar as vísceras e os órgãos internos. A molecada pegava a "bexiga" para brincar fazendo-a de balão. Já cortado todo em pedaços pequenos o porco era todinho frito num grande tacho usando a própria banha. Depois de frito toda a carne era armazenada em latas de 20 litros encobertas pela banha quente. Depois de algum tempo a gordura esfriava e endurecia, conservando esta carne por muito tempo, mesmo sem geladeira. Neste mesmo dia além de fritar a carne fazíamos linguiça e chouriço. Era costume sagrado mandar um pedaço de carne para todos os vizinhos que pudessem ouvir os gritos do porco em agonia de morte. É que acreditava-se que a molecada após ouvir os gritos do porco morrendo ficava com lombriga.

COLHEITA EM MUTIRÃO

Quando o meu pai, tio e avós iam colher arroz costumavam fazer mutirão. Vinha todos os meus tios, primos e alguns vizinhos ajudar. Uns iam cortando com o "ferro curvado"... outros amarrando em forma de feixes e trazendo na bancada de madeiras para outros "baterem". Conforme os grãos iam se desprendendo e caindo sobre o encerrado outros iam ensacando... outros iam trazendo para a carroça que por sua vez trazia até a tulha. Na colheita do feijão tínhamos que arrancar os pés de feijão secos e amontoá-los perto do carreador onde passava um adulto com carroça para recolher. Já na terreirão alguém batia este feijão com um "reio de madeira" para que as vagens abrissem e soltassem os grãos. Para colher o milho primeiro tem que "quebrá-lo" ou seja entortar o tronco pelo meio para que o milho acabe de secar e para que não pegue umidade. Após algumas horas deste trabalho pesado nossos pais e avós nos liberavam para deliciosos banhos no rio ou na cachoeira.

TIRANDO OS BICHOS DE PÉ

Lembro que quase todo dia pegava "bicho de pé" em algum dos dedos dos pés. E após coçar por dias ( coceira forte ) o bicho ficava gordo e formava uma bolinha amarela. Aí a minha tia, mãe ou avó tirava-os com o uso de uma agulha e queimava-os na lamparina. Era um alívio ficar sem aquele incomodo. (ficava feliz de vê-los fritar na lamparina).

MEU AVÔ

Gostava de ver o meu avô dando milho para as galinhas a tardinha (ele tinha mais de 200). Elas vinham todas e ficavam em volta dele. Ele ia debulhando a espiga com a mãos e jogando no chão e gritando: - pipipipipi... Meu avô era muito trabalhador e quando chovia pedia para nós ajudá-lo a roçar o pasto... fazer vassouras e passar óleo de mamona nos arreios. Ele aproveitava também para engraxar as rodas da carroça e afiar as ferramentas com lima. Outra tarefa era replantar café onde houvesse falhas. Lembro-me até hoje dele com um cigarrinho de palha no canto da boca... seu chapéu preto... sua botina com tiras nas pontas... trabalhando a vida inteira até poucos anos de morrer ( com 90 anos). Ele tratava os seus animais com muito amor e obtinha deles também muito carinho. toda a vez que saia com o cavalo na volta tratava dele com milho e o escovava por inteiro. (quando eu e meu primo saíamos à cavalo tínhamos que fazer o mesmo).

HISTÓRIAS DE ASSOMBRAÇÃO

Meu avô e meu tio sempre recebiam visitas à noite para um bate-papo na cozinha. O fogão caipira estava sempre aceso e eu e meu primo o Toninho empoleirados nele para nos aquecermos. Minha tia coava um café cujos grãos foram colhidos na própria roça e torrados em casa. Tenho o cheiro deste café na minha mente até hoje... Eu e o meu primo comíamos pipoca e ficávamos atentos a toda conversa. Os causos falavam de uma luz que aparecia na entrada de uma determinada fazenda no estado de São Paulo e seguia as pessoas até que elas chegassem em casa ( o meu tio foi um deles). Outro causo era de uma alma penada que gemia em baixo de uma ponte... Segundo a lenda só desapareceu quando mandaram rezar uma missa. Tinha também um que mencionava uma assombração que só descansou quando conseguiu contar para alguém onde tinha enterrado uma fortuna em moedas e ouro. Depois de ouvir todos estes causos íamos dormir, mas agora com medo... cobríamos bem os pés pois acreditávamos que alguma assombração pudesse nos puxar para debaixo da cama. Quando reuníamos os primos nas festas de final de ano contávamos estes causos e todos prestavam bastante atenção. E na hora de dormir sempre tinha um que pedia para acender uma lamparina por causa do medo. E ainda mais com o meu primo Toninho gemendo debaixo da coberta e dizendo: - "eu sou uma alma penada e vim te buscar... eu tô na porta do quarto.. eu tô do lado da sua cama... ahhahahahah te peguei!.....

MINHA AVÓ

Lembro de minha vó sentada em sua máquina de costura em frente a uma janela que dava para o jardim. Tinha um pé de camélia e lembro-me de tudo.. até do perfume das flores... Ela sempre nos pedia com carinho que a ajudasse carpir o pomar. Em troca ela fazia para nós cural de milho, pipoca ou bolinhos para o café da tarde... hum que delícia. Lembro-me da minha avó assando pães e frangos no seu forno caipira de tijolos e barro. Ela pedia para nós para colhermos o mato gachuma para fazer a vassoura que ela usava para varrer as brasas do forno.

FESTAS DE FINAL DE ANO

As festas do final do ano eram uma delícia no sítio do meu avô. Juntávamos vários primos. Depois do almoço que não podia faltar leitoa, frango assado, pernil e guaraná antártica nós brincávamos o dia inteiro. É claro que sempre ocorria uma ou outra briga. Sentíamos prazer de brincar perto dos pais e tios e todos riam muito. O meu tio Manoel ficava contando causos e a molecada prestava atenção. A noite dormíamos todos num mesmo quarto e ficávamos contando de novo aqueles causos, principalmente os de assombração. Os mais medrosos pediam para ascender uma lamparina pois ficavam com medo. A casa do sítio não era forrada e ficávamos olhando a claridade nas telhas cada vez que o meu tio ou avô davam tragadas em seus cigarros de palha. A parte ruim do sítio era tomar banho de bacia com sabão feito em casa e ouvir os enormes ratos à noite inteira andando perto da sua cama.

CAÇADAS COM O TIO MANÉ

As domingos saímos com meu tio Manoel ou para caçar passarinhos com alçapão ou para caçar bichos maiores. Na caça de bichos meu tio contava com o auxilio de cachorros americanos que uivavam o tempo todo. Muitas vezes andávamos um dia inteiro atrás destes cachorros que não paravam de uivar. A gente acreditava que tinham farejado algum bicho... mas era só "frescura" deles... não tinha bicho nenhum... aí o meu tio falava assim: - seus putos!... vocês são uns bostas.. da próxima vez vou largar vocês em casa... ele falava sério.. eu e meu primo, o Toninho, ríamos bastante. O duro é que os cachorros entendiam e abaixavam a cabeça após a bronca.

BRIGA NA DIVISA

Eu sempre passava as férias no sítio do meu avô e do meu tio Mané. É que tinha boa amizade com o primo Toninho. Meus irmãos gostavam de ficar no sítio da tia Ana e do tio Peão. Os sítios eram vizinhos. Sempre "rolava" ciúme e rivalidade do nosso lado e do outro lado também... Um dia eu e o Toninho estávamos brincando na divida dos sítios e apareceram os meus irmãos com o primo Miro. Não demorou muito e começou uma discussão. Eu na maior torcida para o meu primo Toninho dar uma surra no primo Miro... de repente o Toninho me sai com essa: você não é de nada Miro... tenho dó de você... pra bater em você vou mandar o Zé Carlos.... e ele bravo olhando pra mim disse: - vai lá Zé Carlos e dá uma lição nele... e eu sem estar preparado fui pego de surpresa, e mesmo sem saber brigar ( até hoje não sei ) acabei indo. Pulei a cerca e lá me atraquei com o Miro.. foi soco para todo lado... no final não sei se bati ou apanhei.. mas nas histórias que contamos até hoje digo que bati...

AJUDANDO O MEU PAI

Todo final de semana meu saudoso pai pedia a ajuda dos filhos para serrar lenha no trançador.... (minha mãe tinha fogão econômico movido a lenha)... ele comprava lenha de caminhão fechado e empilhava do lado da minha árvore "santa bárbara" onde tinha uma casa do Tarzan.... meu pai tinha um giral em forma de "X" onde colocávamos o tronco de madeira ( vinha cortado no tamanho de um metro).... meu pai segurava o trançador de um lado e de outro lado os 4 filhos revezavam... como somos em 4 irmãos sobrava sempre três para segurar a madeira para que ela não rolasse na hora em que os dentes do trançador "mastigava".... acontece que a preguiça era tanta que toda vez que o ajudávamos acabava em surras.... o meu pai era muito nervoso e não admitia erros ou preguiça... quando um dos irmãos "afrouxava" no trançador o meu pai ficava nervoso e falava "segura direito"... quando ele ficava nervoso aí e que nós errávamos mais de medo... ou outros que estavam segurando o tronco começavam a rir.. o meu pai ficava mais nervoso ainda e pegava pedaços de casca da madeira e sapecava o traseiro de quem estava rindo.... só que quando começávamos a rir não parávamos mais... final do história.. o meu pai acabava ficando sozinho e tinha que chamar a minha mãe para terminar o serviço... conforme íamos apanhando íamos para a rua brincar com a molecada que estava sempre esperando para uma "pelada"... o meu pai era nervoso mas tinha um bom coração... ele dava só uma "lascada" e a gente já saia correndo.. acabava não doendo nada... e acabávamos gostando por nos livrarmos do trabalho penoso.

QUEBRANDO TUDO

Eu e meu irmão Marco Antonio sempre nos envolvíamos em grandes confusões e aventuras. Um dia estávamos construindo um carrinho de roda de pau e toda a hora faltava uma ferramenta. Como ele era o mais novo eu pedia para ele buscar. Uma hora faltou serrote e o Marco foi buscá-lo em cima do armário "buffet" onde minha mãe guardava pratos, louças, xícaras, panelas, vasos e travessas. Na época ele era magrinho e esperto. Não pensou duas vezes "escalou" o armário, e, em um segundo estava lá em cima. De repente ouviu-se em estrondo seguido de dezenas de pratos, copos e travessas que cismavam em não parar de quebrar um a um.. plem.. plem.. trach.. blash.. strund.. plen.. rem... blom.. blum.. eu e minha mãe pensamos que estava acabando o mundo. Corremos para a cozinha... chegando lá vimos uma cena de guerra... parecia que os alemães soltaram um bomba em nossa casa. Minha mãe começou a chorar achando que o "Marquinhos" estava morto no meio de tanto vidro. Depois que tiramos a maior parte dos vidros e louças e erguemos o "buffet" não achamos o cara. Minha mãe chorando sem parar, achando que ele tinha se cortado continuou a procurar... eu ajudando... procuramos na casa toda e nada... aí eu lembrei... ele deve estar lá em cima de minha casa do Tarzan na "Santa Bárbara"... não deu outra. Ele estava lá sim... minha mãe ainda chorando pediu em meio aos soluços: - desce Marquinhos... deixa a mamãe ver se você não se machucou... ele lá de cima falava: -não machuquei não... eu não vou descer... a senhora vai me bater... minha mãe: - não vou te bater não... o importante é que você não se machucou... aí ele desceu chorando de medo. Minha mãe levou ele lá dentro onde tinha luz e examinou centímetro por centímetro o corpo dele e por milagre não tinha nenhum corte. Minha mãe beijou ele e disse : - graças a Deus... foi milagre... dessa surra o Marco escapou mas quando o meu pai chegou e viu o estrago e o prejuízo já foi calculando. Quando caiu a fixa e ele viu o tamanho do rombo em seu orçamento não teve a mesma piedade da mãe. Pegou o fio do ferro elétrico e lhe deu uma boas "reiadas"... tive também prejuízo. toda a vez que eu mandava ele buscar o serrote ele falava: - vai você... eu tenho medo... JOSÉ CARLOS FARINA.

Vou contar depois... cortando cabelo....

FESTAS JUNINAS

Nas festas juninas a molecada se divertia bastante pulando a fogueira e soltando busca pé e bombinhas. Comíamos pipoca, bolo de fubá e tomávamos leite com chocolate ou chá. A meia noite na passagem de "São João" muitos andavam descalços no tapete de brasa e não se queimavam. Eu fui um deles. Verdade... Havia também as novenas e terços. Enquanto os adultos rezavam a molecada brincava de esconde-esconde, salva e balança caixão. Depois sempre era servido uns pedaços de bolo com chocolate ou chá. Os adultos tomavam uma bebida conhecida como anizeti (essência de anis, água e pinga).

BAILES DA ROÇA

Aos sábados sempre tinha baile de sanfona nas imediações. Todo mundo se encontrava nestes bailes. Os rapazes e adultos tomavam "rabo de galo" ou "batida de amendoim". A música era sempre a mesma e o estilo de dança idem... Depois de um certo tempo de dança ninguém aguentava a poeira que erguia em baixo da barraca de lona. Chegávamos em casa assoprando tijolos pelas narinas. Era muito bom as caminhadas pelas estradas em noites de lua cheia.Vínhamos em grupos de jovens conversado... fumando e contando as proezas que fizemos durante a semana que findava. Uns tropicando pelo excesso de batida de "amendoim"... Outros vomitando de tão bêbados que estavam.

COMPRAS NA CIDADE

O gostoso mesmo era acompanhar o meu tio ou avô nas compras na cidade. Vínhamos de charrete. Parávamos na venda e esta era a hora de tirarmos a "barriga da miséria"... comíamos paçoquinha com guaraná e chupávamos sorvetes de groselha com direito a repetir... era bom demais. Era tão gostoso passear de charrete. Lembro-me de tudo. Até o cheiro do cavalo suado de tanto andar (formava espuma em baixo do arreio). O meu tio meio alegre depois de tomar umas branquinhas... o povo do patrimônio... outras carroças no caminho... as meninas bonitas nas janelas escondendo a boca com a mãos com vergonha sei lá do que... (nós idem)...

DUELO AO POR DO SOL

Um dia eu e o me primo Toninho ficamos sozinhos no sítio do meu avô e como toda criança fomos bisbilhotar as relíquias do meu tio Mané. Em cima do guarda-roupa ele guardava uma espingarda chumbeira de caça e uma garrucha. Ai todos "metidos" fomos brincar de Cowboy. Meu primo colocou a espingarda atravessada no ombro e a garrucha na cinta, enfiada por debaixo da calça. Aí ele olhou para mim com cara de mau e disse: - Zé Carlos.. saque a sua arma.. desafio você para um duelo! Eu sabendo que o Toninho era maluco, já fui abaixando o corpo, colocando as mãos na cabeça e gritando: - Cuidado maluco esta garrucha está carregada!... Mas ele continuava com aquela cara de mau e com um pequeno sorriso nos lábios.. até que disparou... a bala passou a mais ou menos um metro da minha cabeça e foi se alojar na parede. Após ele pedir mil vezes perdão e agradecer a Deus o livramento fez um último pedido: - Se você não contar para o meu pai amanhã eu levo você para andar à cavalo e deixo você usar a cela nova. Fechamos o acordo e até hoje ninguém sabia desta "desventura".

NOSSA CASA

MINHA MÃE MORA ATÉ HOJE NA CASA DE MADEIRA DE PEROBA ONDE NASCI EM 1956. POR TODO OS LUGARES QUE EU OLHO NAQUELA CASA TEM UMA LEMBRANÇA DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE. LEMBRO DO MEU SAUDOSO PAI TODO FELIZ COMA SUA PRIMEIRA TV PRETO E BRANCO... FICAMOS NA SALA ASSISTINDO ENCANTADOS O FILME DO BONANZA... FALTOU ESPAÇO PARA TANTA GENTE... ( VIERAM OS PRIMOS DO SÍTIO E AMIGOS DA RUA INTEIRA)...NO MEIO DA COZINHA TINHA UM POÇO COBERTO COM LAJE DE CONCRETO. EM BAIXO DESTA LAJE TINHA UM BOMBA D´ÁGUA QUE JOGAVA A ÁGUA PARA A CAIXA D´ÁGUA. NO FOGÃO À LENHA TINHA UMA SERPENTINA DE COBRE QUE ESQUENTAVA ÁGUA E MANDAVA PARA UM RESERVATÓRIO. DALI PARA UMA BANHEIRA,. NAS NOITES DE VERÃO MEUS PAIS COLOCAVAM CADEIRAS NA CALÇADA PARA "PROSEAR" COM OS VIZINHOS. ENQUANTO ISSO A MOLECADA "TRAVAVA"UM FUTEBOL OU UM "ESCONDE ESCONDE". NA DESPENSA ESTÁ LÁ ATÉ HOJE UM BURACO QUE EU E MEUS IRMÃOS FIZEMOS COM "ARCO DE PUA"... NA PAREDE DO QUARTO DA FRENTE AS MARCAS DE UM COMEÇO DE INCÊNDIO ( ADVINHA QUE ATEOU FOGO?)... NA PAREDE DA GARAGEM UM CORAÇÃO ESCRITO "NEUZI x JOSÉ CARLOS"... NA SALA UM FOTO GRANDE PREGADA COM PREGO ONDE REVEJO MEU SAUDOSO PAI... MINHA MÃE E NÓS TODOS PEQUENOS.... NO QUARTO DO MEIO A MINHA CAMA... ONDE ANTES DE DORMIR LIA O GIBI DO TARZAN... NO QUARTO DOS FUNDOS A LEMBRANÇA VIVA DO DIA EM QUE O MEU AVÔ FALECEU... DIA A DIA ESTAMOS PERDENDO ESTE LAÇO COM OS PIONEIROS... LOGO LOGO SERÃO APENAS AS CASAS MODERNAS DE TIJOLOS... OS ARRANHA-CÉUS.... AÍ A ÚNICA LEMBRANÇA SERÁ ESTE FILME E ESTA SIMPLES CRÔNICA QUE ESCREVO COM OS OLHOS CHEIOS D´ÁGUA...

NORTE DO PARANÁ

O norte do paraná sempre foi um ótimo lugar para se viver e trabalhar. Talvez seja exagero mas sempre digo que aqui é o melhor lugar do mundo para se viver. Sou suspeito pois nasci aqui e sei que aqui vou morrer um dia (não tenho pressa). Um abraço a todos que leram esta crônica até o fim. Deus abençoe a todos. JOSÉ CARLOS FARINA

JOSÉ CARLOS FARINA