DE TANTO CLÁUDIA ME DAR BOLO

Enfim voltei da padaria. A ideia era ficar num bar vendo a noite passar. De alguma forma eu mataria a fome que eu mantinha então. Só isso, sem chances de conhecer gente nova. Mulheres é o que eu quero dizer. Mas o estabelecimento que eu aprovaria nesta periferia onde impera as malditas jukebox que tocam funk e rap bem alto havia encerrado o expediente. Ou acabou o estoque ou o Ed foi assistir jogo do Cruzeiro. Amanhã tem galo. É bom que tenha cerveja se quiserem que eu veja lá o jogo. Ando muito desinteressado por futebol, mas de cerveja ainda gosto. Tanto é que estava entre os itens que paguei para a doce menina do caixa, Jaqueline, junto com os hambúrgueres que eu ia fazer para resolver a fome, um único latão de Skol. Quente por sinal. Comida de sábado à noite de homem sozinho que está com preguiça de fazer coisa que presta.

Essa solidão tá acabando comigo. Viciei em companhia, é por isso. Quinze anos seguidos tendo alguém do meu lado. Tem noite de fim de semana que é assim: essa caçada de boteco, essa volta para casa para inventar qualquer coisa para comer e para matar o tempo. Do nada, apressei o passo e cheguei em casa sentindo muito calor. Desconta-se os quase cinquenta anos de idade dessa alta temperatura. Desprendi o cinto da fivela, tirei o jeans bem ligeiramente, fiquei só de cueca samba canção e camisa gola polo. Me senti sexy. Tipo Marlon Brando no filme do Bertolucci. Sem desmerecer o fato de as pessoas sempre acharem que pareço com o Travolta. A cueca listada, cor sim cinza clarinho, quase branco, e cor não aquele azul quase preto, contornando as coxas e apertada de um jeito que os pelos ficaram fazendo reverência em direção aos joelhos. A camisa também listada. Verde e branca. Minha ex-mulher ia gostar. Ia me agarrar e querer uma transa na hora. Ela gostava da minha antecoxa, da minha bunda, tinha mania de...

Para que ficar lembrando? Fiz foi ligar o computador. Veria uns filmes da Atlântida que havia no HD. Baixei do Youtube. Assistir no site é muito ruim. Do lado da mesa onde o teclado repousava, uma mesinha de plástico vermelha me servia o prato com hambúrgueres. Elegantemente ela cuidava também da minha cerveja. E azeitonas. Alguma coisa nutritiva tinha que haver. A janela aberta deu conta de equilibrar a temperatura do meu corpo. Noite calma e razoavelmente temperada. Comecei a ver "O homem do sputinik". Com Brigitte Bardot. Minto: Norma Bengel. Linda. Pernas estonteantes. Eu sozinho e sem poder muito ver essas coisas. Reformatei a tela do VLC para ver o vídeo em um canto do monitor de 15 polegadas do meu notebook e o navegador Mozilla Firefox do outro. A ideia era entrar no Facebook e ver se eu encontrava alguém disposto a conversar.

Eu queria conversar mesmo era com Cláudia Me Dá Bolo. Mulher madura e meiga. Dona de um singelo, porém sugestivos, par de olhos negros. A pele branca como leite também é um dos seus atrativos. Combina muito bem com o seu jeito de interior. Ela não sabe que é interessante. Acha que sou sofisticado porque escrevo coisas, então vive fugindo de mim. Eu nunca cobrei nada, mas não consigo menosprezar o meu perfil. A gente faz de tudo para deslobotomizar, largar o condicionamento do sistema, aí o que sobra é a gente ficar ao mesmo tempo simples e sofisticado. Meio inteligente e estúpido. Estúpido porque não consegue guardar para as ocasiões a visão do mundo, o jeito de falar correto demais, o gosto musical. Isto talvez seja o que mais pega. Parece que nunca vai rolar nada por causa disso. Ô eu que já tentei. Fui em todos os encontros que ela me deu bolo. Inclusive nos outros dois que a gente conseguiu se ver. Os quais não passaram de "Oi, tudo bem e um abraço". Essa fase nova de homem que largou a mulher com quem conviveu quinze anos, que lá vão para três de término, não me agrada nem um pouco. Pô! Esqueci tudo! Não sei mais como se aborda, o que se conversa, o que se pede para o garçom. Quinze anos com a mesma pessoa tira a gente completamente as qualidades de galanteador. De que adianta a gente se tornar um grande amante? Se em vez disso eu tivesse me tornado um homem bem sucedido... Não, não é machismo, é realismo, dinheiro resolve tudo. Nem que seja mudando o problema.

Caiu a ficha. Dinheiro resolve tudo. Pensei nesse argumento. É bom. Em vez de esforçar para resgatar o velho tique sedutor infalível, esforce-se para ficar rico. Uma coisa leva a outra. O mote é esse. Me fez mudar de ideia. Em vez de procurar contato com a minha obsessão sexual do momento, a doce Cláudia: trabalhar. Programador de softwares só ganha dinheiro se aparecer com novidades feito o Facebook para virar mania para as pessoas ao ponto de ocupá-las e elas acharem que tiram vantagens disso. Ainda bem que o Ed estava fechado. Do contrário eu teria ficado por lá e não teria tido essa reflexão. Tive um insight. Um site que promovesse socorro para homens e mulheres que esqueceram como se conquista ou como se deixa ser conquistado. De quebra haveria uma seção para que pessoas que tivessem complexos de inferioridade ou de outro tipo pudessem se libertar. Nessa coisa de amor e sexo todo mundo é igual. Não tem que ter tal perfil para ser feliz, tem é que querer, que dedicar e que ser bom de relacionamento com gente. De preferência ser bom e boa também de cama, né. Ou não precisa? Larguei o filme, comecei a esboçar o que eu tinha em mente e depois parti para pesquisas na internet. Sábado à noite, hein! Vai que voa, né?

Se aparecer na mídia aí um Badoo meio diferente é porque eu levei o protótipo a sério. Ops... acho que conheci a garota que vivi falando dela nesta crônica naquele site de encontros. Pode ser um sinal. Resta saber que tipo de sinal. Bom ou ruim. Hum...Já sei. Vou esperar Cláudia aparecer no chat e pedir suporte para ela neste projeto. Quem sabe, em parceria a gente não consegue dar aquela incrementação que será o diferencial? Podemos criar uma consistência que reduz os bolos nos encontros e tirar da concorrência os outros mecanismos. Só espero que ela concorde. E que não me dê bolo nisso também.