O FUTEBOL É MESMO ASSIM?

Nenhum evento esportivo consegue reunir, num único dia, um público tão numeroso como a centenária 500 Milhas, a corrida automobilística mais famosa do mundo, que brindou, em 2013, o brazuca Tony Kanaan como vencedor, numa emocionante vitória, coroando o piloto com a mais significativa conquista em seu belíssimo currículo. Kanaan se junta ao seleto grupo de vencedores da corrida mais importante dos EUA, entre eles, também os brasileiros, Emerson Fittipaldi, Gil de Ferran e Hélio Castroneves.

Se por um lado as 500 Milhas é o maior espetáculo de velocidade do mundo, aqui no Brasil, o futebol, é o esporte predileto das massas. Fortemente arraigado em nossa cultura, através dele, grande parte da população sublima suas frustrações, construindo a sua “felicidade” em cima da “infelicidade” do outro. O torcedor-ganhador, salvo honrosas exceções, reveste-se de uma aura especial e movido por uma camaleônica retórica, segue, ávido, para o próximo jogo, na busca frenética da tão sonhada vitória.

Durante a partida, quase sempre, evidenciam-se rivalidades, disputas e desafios entre torcedores, incendiados pelas paixões, num confronto muitas vezes perigoso, insensato e até mesmo insano.

O futebol é assim: de repente o sorriso deixa a boca do torcedor para surgir, minutos depois, na boca do seu oponente. O coração, quase sempre, balança mais do que a rede – e tudo se passa como se cada lance dependesse de um grito de euforia. Na química do futebol substâncias imiscíveis, quando juntas, produzem reações explosivas. E haja energia!

Os indivíduos podem ser diferentes em seus costumes, aspecto físico, suas ideologias, sua turma, suas preferências sexuais...tanta coisa, que fica difícil enumerar, mas na hora do jogo ou depois dele, conforme a sabedoria futebolística carioca de Nelson Rodrigues: “todo homem tem o direito de torcer pelo Botafogo no meio da torcida do Flamengo”. Bem, deveria ser simples assim!

O futebol é mesmo mágico: se a bola encontra o caminho do gol, a euforia invade o campo, a torcida explode junto e o torcedor já nem precisa mais segurar o galhinho de arruda ou coisa que valha como reforço espiritual. O perdedor “coitado”, faz a única coisa que pode fazer, que não impede a dor, mas não há saída senão esperar o próximo jogo porque, afinal, ele pode perder o amor, o que faz desaparecer o brilho dos olhos e a alegria de viver, mas não pode perder a esperança porque desapareceriam todas as razões para viver. Mas quando o “futebol” se move pela rixa, a relação de respeito e de caráter entre torcedores, quase sempre vira caso de polícia. Esgotam-se, aí, todos os pretextos que justificariam o esporte como função educativa, que se projeta na multidão e vice-versa, porque se esvai o que deveria ser sublime. Tudo “pode”, até esvaziar os seus veículos humanos para incorporar a fera, a força bruta para arremessar privadas, símbolo trágico, que retrata a triste situação em que se encontra a violência no futebol, porque tudo parece funcionar como afrodisíaco talhado pelo demônio que assedia, que é pródigo em tentações e se regala ao dar adeus a Deus.

Mas o futebol é mesmo singular: Nenhum outro objeto concentra tanta energia de massas como esse esporte, especialmente em época de Copa do Mundo, quando vizinhos se cotizam para comprar a tão sonhada TV de tela gigante, do tamanho do Brasil e do coração dos incansáveis torcedores que empunham bandeiras, que revelam seus sentimentos nos sentimentos de cada torcedor, colocando o país à sua imagem e semelhança.

Esse é o futebol: através do seu time o sofrido torcedor pode demonstrar sua glória, sua virtude, com direito a rir de seu colega de trabalho, infeliz torcedor-perdedor; a sua equipe vinga, por ele, os dissabores da vida porque sabe que, na ausência de um fato que sintetize, que condense as aspirações por nacionalidade, por unidade, por revolta (cultural, política,...), o futebol funciona como um oportuno ( e inofensivo) substituto.

O futebol é mesmo assim?