Momentos únicos

Naquele apartamento de fundo da rua Dom Duarte Leopoldo eu esperava ansiosamente que chegasse o domingo à tarde. Depois do almoço, aquele marcante macarrão com frango, era a hora de eu me acomodar defronte à televisão e, vivaz, eu esperava que os meus ídolos se apresentassem. Sempre as palmas esfuziantes me convidavam a vibrar pelas canções novas, que seduziam o público. Pela primeira vez, cheguei a escolher um presente de aniversário: um compacto simples do Roberto Carlos – “quero que você me aqueça nesse inverno e que tudo mais vá pro inferno”.

Um grande alento na minha difícil juventude foi acompanhar a trajetória da Jovem Guarda. Eu ficava fascinada pelas músicas do Roberto, do Erasmo Carlos e da Wanderleia.

Não havia maldade entre eles. Nada de arrogância, de sarcasmo ou de empáfia. Pelos menos, eu os via assim. Eu entendia aqueles cantores tão autênticos como pessoas a se aproximar da juventude que buscava novidades, outros sons, melodias distantes daquelas tão formais e bem elaboradas pelos notáveis compositores do final da década de 50.

Era a inovação. Novas cores. Um vocabulário bastante atraente para aqueles jovens que teimavam construir novos espaços, novas atmosferas, sair das estruturas autoritárias das famílias e de instituições como a igreja e a Escola.

O Erasmo era o Tremendão, com sua calça xadrez e sapatos de fivela. A Wanderleia era a ternurinha, carregada de meiguice e de talento.

E hoje, quando leio a notícia do enterro do filho do Tremendão, sinto um calafrio amargo, tenso. Fico inquieta. Um homem que esbanjou a doce energia da juventude, que sorriu e cantou para um público que precisava de novas referências, precisava cantar, pois era o único meio de se falar algumas coisas... esse homem, hoje, passa pela mais terrificante experiência humana: o amargor da perda do filho. Não há como não se comover e sentir um pouco – apenas um pouco – daquela angústia.

É como se o corpo estivesse esfrangalhado para sempre, sonhos perdidos, interrogações delirantes e a negação do fato. Certamente, é como se o mundo se tornasse um espaço em branco e preto.

Força, Tremendão! Coragem. O que eu posso te dizer é que acredito mesmo em outras existências. Novos encontros, novos abraços e sorrisos. Diga ao seu filho um “até breve”, pois esta vida é curta... e isso pode ser bom. Outros tempos virão. Deixe o coração chorar até se esgotar. E depois pergunte: “será que o meu filho gostaria de me ver assim, acabado?” Obviamente a resposta seria: “não”.

Então, chore, Erasmo, com tudo o que tem. Mas depois... depois volte a cantar, a sorrir para o seu público, sempre se lembrando: o reencontro é uma fina arte. Como uma música elaborada com desejo de amor, de presença, de exuberância de vida.

Viva, Tremendão. Viva e pode continuar sonhando. O mundo, apenas temporariamente, será em banco e preto.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 15/05/2014
Código do texto: T4807896
Classificação de conteúdo: seguro