Castilho Foi Comprar Chá

E Castilho tanto insistiu que Bordalo foi com ele à noite a uma palestra que o primeiro iria proferir numa universidade da Zona Norte. Era incrível, pensou Bordalo. Como é que tinham convidado um maluco daqueles para falar alguma coisa pra alguém? Ainda mais em se tratando de estudantes? Mas Bordalo sentiu-se no dever de acompanhar o amigo. Até porque não havia ninguém que fizesse aquilo. E começou a escutar o que Castilho dizia:

“O importante é ‘dirigir as massas como um rebanho de ovelhas’ sob influências que elas estejam longe de perceber. E esses caras nós chamamos candidamente, e sem medo de errar, de pastores. Quando na verdade são impostores. E cobradores de impostos caríssimos, que não podemos deixar de pagar.

São também governantes. Ou dirigentes do mundo. Um mundo cada vez mais desigual e hostil. Tão desigual e injusto que passa a fazer parte do nosso DNA – do que não podemos nem suspeitar – a ideia de que igualdade é coisa que nunca existiu ou existirá. E dão exemplos de que mesmo ‘na natureza não existe igualdade’. Fazendo cair por terra o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Ou o brado da Revolução Francesa, ‘Liberdade, Igualdade, Fraternidade’, que, a propósito, levou ou contribuiu para que muitos de seus autores fossem depois guilhotinados.

Mas evidentemente isso não é coisa pra se pensar quando estivermos vestindo a nossa camisa do dia. Vamos pensar na Maria... ou no chá que devemos comprar...”

Pouco depois de cinco minutos da introdução e das palavras iniciais de Castilho, Bordalo observou que muitos alunos já dormiam. Talvez porque viessem do trabalho. Ou porque a presença fosse de certo modo obrigatória, já que o assunto poderia ser matéria de prova.

E Bordalo acabou sentindo sono também. Convencendo-se de que isso nada tinha de anormal.

Maricá, 03/03/2014

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 19/05/2014
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