TENEBROSO

Com a idade já avançada necessitava de companhia, estava decidido, minha prima Laís e eu iríamos passar as noites com ela, duas crianças com sete anos e sem possibilidades de contestação.

Vovó tinha seus hábitos, acendia uma vela e a acompanhávamos em suas orações, depois fazia o que todo idoso gosta, contar seus casos. Apesar da cabeça já não estar muito boa, nesta arte ela era perfeita tamanha a intensidade de sentimentos, detalhes e rebuscados com que relatava as histórias escutadas e tantas vivenciadas pelas roças que morou. Você diria... que maravilha! Seria se não fossem todas de horror.

Laís não demorava dois minutos para dormir, mas eu não tinha a mesma sorte. Os cenários terrificantes com todo tipo de coisas inexplicáveis que atacavam nas estradas, almas penadas, além das entidades folclóricas, iam se concretizando em minha volta, enriquecidos pelas sombras da vela tremeleando e os ruídos da noite.

Encolhida debaixo do lençol percebia os morcegos entrando pela janela e se transformando para cravarem os dentes em mim (meu santo, que pavor dos vampiros!), os cachorros raivosos uivavam e corriam lá fora, ouvia garras arranhando a porta. Eram fantasmas que não só pairavam, passavam pela coberta e se esticavam ao meu lado, podia senti-los, ficava em pânico, não ousava abrir os olhos.

Pedi-lhe certa noite para que contasse uma história bem bonita. A narrativa parou no meio da floresta e vocês nem imaginam o que a bruxa fez com João e Maria. Não suportava mais todo aquele medo, como sofria, nem os deliciosos bolinhos que nos servia no café da manhã amenizavam meu desespero.

Contrariando o que fora decidido, coisa que via de regra naquela época não acontecia, pedi para não dormir mais com ela. Nenhuma explicação dei pois no fundo sabia que diriam que tudo aquilo eram só histórias, mas para mim se tornavam bem reais, não conseguia mudar isto. Seria menos penoso enfrentar qualquer repreensão.

Não sei por que nunca mais consegui gostar da noite, me dá arrepios quando o sol se põe, afinal, todos aqueles fantasmas eram só ilusões... não eram?