O Jantar

Dentro de poucos minutos o avião pousará no aeroporto do Galeão. Mais uma vez a mesma emoção invade o coração de Heloísa. Voltar ao meu país é sempre muito bom – pensou. Mesmo sabendo de todos os problemas que tem essa nossa terra, eu não posso deixar de me emocionar, principalmente dessa vez que venho para ficar e, talvez, por pouco tempo. Heloísa passara muitos anos no exterior, acompanhando seu marido e fazendo muito sucesso como atriz. Tivera muito êxito, mas agora, viúva, desistira da carreira e voltava definitivamente. Sabia que estava doente e pressentia que não viveria muito. Queria morrer na sua terra natal e, por isso, se despedira dos amigos e do cinema. Chegando ao aeroporto se dirigiu ao posto dos Correios e expediu um telegrama para cada um dos seus seis irmãos: Ana, Bela, Cecília, Dora, Eliana e Felipe, único varão. O texto era o mesmo: “estou no Brasil. Preciso muito de você. Favor comparecer meu ap próxima sexta 20hs para jantar comigo. Por favor não falte. Preciso de você. Não telefone. Só chegarei na hora do jantar, como você. Voltou para pegar as malas, que já estavam cansadas de passear na esteira rolante, e foi para seu apartamento. Assim que receberam o telegrama seus irmãos começaram a se comunicar. Felipe foi o primeiro a procurar as irmãs. Eu não pretendo ir – disse Ana. Heloísa acha que pode dispor de nossa vida, Felipe. - Pô, Ana! Você tem sempre um pé atrás com a nossa irmã. Por quê? - Eu tenho os meus motivos. Ela sempre quis aparecer mais do que eu. Se estávamos numa festa os olhares eram sempre dirigidos a ela e eu ficava sempre em segundo plano. Na escola era a mesma coisa. Ela era a que sempre brilhava. - E isso era culpa dela? Ela sempre foi uma atriz, desde garotinha tinha aquele jeito sedutor. É um talento que ela tem, Ana! - Eu sei, mas sempre me incomodou. Até mesmo o meu marido parecia ter uma queda por ela. - Não creio nisso. Seu marido sempre foi gentil com todos nós. - Vá você, Felipe. Você não é o queridinho dela? - Eu vou sim, Ana, ela disse que precisa de nós. Sabe-se lá ao que é? - Ela não precisa e ninguém, só dos seus fãs. Bela ficou emocionada com o pedido da irmã. Eu vou sim, com muito prazer. Sempre que alguém precisa de mim eu tenho a oportunidade de dar algo em troca de tudo que recebi na vida. Posso saber, perguntou Dora, qual é esse muito que você recebeu da vida? - Dora, eu sei dar valor a tudo que tenho. Você, no entanto, só se satisfaz se receber a Lua e, por isso, é tão infeliz. - É que eu não penso pequeno, como você. Ou eu tenho o melhor ou não quero droga nenhuma. - É por isso que a sua vida é tão complicada. A gente, pra chegar ao topo da escada, tem que subir o primeiro degrau. Você quer dar o pulo maior do que as suas pernas e acaba se machucando. - Ah, Bela, não enche, tá?. Deixe a sua filosofia de porta de botequim para os menos inteligentes do que eu. - Falou, Dorinha, continue assim e continuará amarga. Cecília conseguiu convencer Dora a ir. Vamos juntas. Sei que a sua diferença com Helô é pela ausência dela no enterro da mamãe, mas ela deve ter tido os seus motivos. - Claro, naturalmente tinha a estreia de algum de seus filmes. - Eu estou certa de que mamãe compreendeu. Além do mais, o que adiantaria a presença dela se mamãe já estava morta? Helô fez o que pode enquanto mamãe estava viva. Proporcionou-lhe o melhor tratamento e os melhores médicos e sabia que nós estávamos perto dela para dar-lhe carinho. - A gente não pode julgar se não quiser ser julgado – disse Felipe. - E você, Eliana, vai? – perguntou Dora. - Vou só para dizer a ela que não posso me demorar porque vou ser homenageada por meus alunos da faculdade. Ela que não pense que é a única importante da família. Eliana era uma professora brilhante que, com suas ideias, conseguira levantar uma faculdade decadente e transformá-la num modelo de eficiência. Agora era a diretora de uma grande instituição de ensino e estava bem de vida. Não precisava mais receber aqueles dólares que a irmã lhe mandava para que ela pudesse pagar a escola dos filhos, desde que o marido a deixara. Isso sempre lhe fizera mal, embora Helô mandasse o dinheiro de boa vontade. A sexta-feira tão esperada finalmente chegou. Vão lá, bando de puxa-saco – disse Ana. Espero que ela diga que precisa de vocês para cuidar do reumatismo dela. Helô os recebeu com atenção e carinho, mas sentiu-se estranha. Parecia não mais fazer parte da família - Helô - disse Felipe – você disse que precisava de nós, mas vejo que você está muito bem disposta e bonita como sempre. Pensamos até que você estivesse doente. De que é que você precisa? - Felipe, meu querido, vamos jantar primeiro, já que Eliana tem um compromisso. Falaremos disso mais tarde. O jantar foi servido. Todos comeram muito bem e brindaram a chegada de Helô. - Esperamos que você agora fique conosco por mais tempo. Não vejo razão para você voltar para Los Angeles, já que, como disse, não quer mais ser atriz – falou Cecília. - Eu não voltarei mais. Depois que meu marido morreu eu não tenho mais porque ficar longe da minha terra. Além do mais a gente tem que saber a hora de parar, mesmo quando se tem uma carreira brilhante. Prefiro deixar o cinema no auge e ser lembrada na melhor fase da minha carreira. A sobremesa foi servida, o café, o licor. Passemos à sala grande, propôs Helô. - Eu os reuni aqui porque preciso de vocês. - Para quê, Heloísa? Chega de suspense. Qual é o seu problema? - perguntou Eliane. - Não tenho nenhum problema não, minha irmã. Pelo menos problema que a vida não possa resolver. Bastou ser problema para ter solução, não é mesmo? O que me fez reuni-los aqui é que eu tenho uma grande fortuna que meu marido me deixou de herança. Nem eu mesma sabia que ele era tão rico. Richard sempre cuidou de seus negócios e eu nunca me interessei muito pelos seus bens. Afinal eu o amaria fosse ele pobre ou rico. Quero dividir com todos vocês que estão aqui. Eu lhes disse que precisava de cada um de vocês porque precisava saber com quem, realmente, eu poderia contar e vejo que só Ana não compareceu. Quero que vocês saibam que estão todos ricos. Amanhã meu advogado os procurará e tudo ficará resolvido. Quero lhes agradecer a presteza com que atenderam ao meu pedido e lhes dizer que sempre os amei, apesar de não parecer. Não sou muito dada a manifestações afetivas. A maneira que encontrei de mostrar o meu carinho foi ajudando a cada um na hora que vocês precisaram. Felipe abraçou a irmã e abriu a garrafa se champagne para comemorar a união daquela família que estava começando um ciclo novo de vida, embora, para Heloísa, fosse um pequeno ciclo, ela sabia.
edina bravo
Enviado por edina bravo em 21/05/2014
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