Risoleta era uma mulher que não sabia o que era tristeza. Sempre olhara a vida pelo lado cômico. O seu próprio nome já era indício de que ela não tinha a menor queda para a tragédia. Nascera após um ataque de riso de sua mãe, em pleno carnaval, quando vira seu pai fantasiado de baiana. Pode-se compreender, agora, o motivo de tão apropriado nome. Menina ainda já deixara sua mãe, por várias vezes, em situação constrangedora, pois não pensava muito antes de exteriorizar o que viesse à sua mente. Adolescente tivera o sonho de trabalhar no circo que se instalara ao lado de sua casa. Essa ideia, no entanto, foi totalmente descartada por seu velho pai. Alguns anos depois começara a trabalhar numa grande indústria brasileira, onde havia mais gente querendo se arrumar do que gente querendo produzir, motivo pelo qual a fábrica viera a decretar falência. Desse dia em diante começou a sua caça ao emprego. Todos os dias lia os jornais e respondia a todos os anúncios, por carta ou telefone. No entanto, nunca recebia resposta. Não podia se desesperar. Esse seria um comportamento totalmente discordante do seu modo de ver a vida. Resolveu responder aos anúncios levando tudo na gozação.
Rio de Janeiro, sei lá que dia de sei lá que ano.
Prezados senhores
Depois de tomar café com broinha de milho e um queijinho de Minas fresquinho do “mior que há” resolvi ler o jornal para procurar emprego. Antes li as notícias, me enterrei dos filmes da semana, li a seção de modas e as crônicas. Como já disse Baudelaire, primeiro a diversão e depois a obrigação. Aliás, se ele não disse isso perdeu uma grande oportunidade de dizer alguma coisa inteligente. Mas, como eu ia dizendo, estava lendo o jornal quando deparei com o a núncio de V.Sas.: “Ambos os sexos, extraordinária aparência, três línguas”. Confesso que a minha primeira reação foi imaginar um ser sobrenatural, fruto de um cruzamento genético dos mais doidos, feito depois de uma guerra nuclear. Uma mulher macho, com aquelas três línguas todas fazendo careta pra mim. No entanto, logo liguei as minhas turbinas (ainda estava com sono) e saquei que vocês queriam uma mulher como eu. Eu falo, escrevo e leio português, inglês e espanhol. Português eu destruo. Aliás, quando era mocinha, quase destruí o coração de um português. Espanhol também não tem problema. Inglês é que é a minha diferença. Eu falo, escrevo e leio, mas sabe Deus como! Mas também eu não tenho culpa se eles escrevem r-i-g-h-t e leem “raite”, c-h-i-l-d e leem “chaild”...Por falar nisso, um dia desses eu estava comentando isso com um português, filho do primo do vizinho do tio de um amigo meu e ele disse: pior são vocês que escrevem Joaquim José da Silva Xavier e leem Tiradentes. Tive vontade de dar-lhe um porr.. aliás, tive vontade de dizer-lhe, gentilmente, que se tratava de um apelido, mas achei melhor não gastar o meu latim. Podia precisar para trabalhar com os senhores e, por isso, deixei pra lá. Mas, como eu ia dizendo, o meu inglês não é, ainda, tão bom quanto eu gostaria e os senhores ainda mais. Porém, de uma coisa podem ter certeza: eu sou sincera, como se pode ver pela minha carta. Já imaginaram o que seria trabalhar com uma mulher falsa nove horas por dia? Eu tenho os meus defeitos como todo mundo, mas esse eu não tenho. Não sou perfeita. Se o fosse não estaria me candidatando a esse emprego. Colocar-me-ia numa urna e meu marido ficaria na porta cobrando os ingressos para o povo que ia querer ver essa mulher perfeita, né? Ah, já ia me esquecendo de dizer que falo também a língua do “P” e também a língua universal que é a mímica e que todo mundo aprende rapidinho, principalmente dirigindo no Rio de Janeiro, onde os motoristas sabem fazer aqueles sinais que todo mundo entende. Quanto à aparência posso me considerar uma mulher de sorte. Fiz 40 anos (e não pretendo fazer mais nenhum), mas sou uma coroa enxuta, dessas que, quando passa pela rua, ouve sempre uns pilantras dizerem o que eles fariam comigo, se pudessem. Sou pequenininha, mas, afinal de contas, as pílulas de óleo de rícino também o são e ninguém se atreve a tomar meia dúzia de uma vez só. Bom, meus caros, só tenho a acrescentar que faço um cafuné que é uma gracinha e que estou precisando de emprego porque a situação tá mais pra jacaré do que pra colibri. Atenciosamente

Risoleta enviou a carta para duas agências de publicidade e para uma revista. Pensou: posso não arranjar um emprego essa semana, mas pelo menos vou fazer alguma pessoa rir. Afinal, rir ainda é um grande remédio para minorar o sofrimento da humanidade tão desiludida.
Três dias depois recebeu um convite para trabalhar na agência de publicidade, onde está até hoje.
edina bravo
Enviado por edina bravo em 23/05/2014
Reeditado em 08/03/2019
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