Na Estante
E lá estava eu, indo em direção a minha estante para colocar minha poesia de lado e pegar a prosa. E de repente me deparo com pequenos recortes de memórias dessa vida que nunca para.
Sentei-me diante de tantas coisas e fiz mentalmente aquela velha pergunta: quanto tempo o tempo tem? E me dei conta que ele é infinito e ao mesmo tempo instantâneo. Tantas pessoas, tantas coisas, lugares, sorrisos e olhares. Tudo que possa caber nos pequenos recortes da vasta memória.
E enquanto eu vou tirando a poeira dessas lembranças amontoadas, acabo me lembrando como a pressa de viver nos arrebata em milhões de coisas que fazemos ao mesmo tempo. E nesse instante é que tenho paciência de perceber que na verdade não era pressa, era entusiasmo, vontade de viver cada dia em plenitude. E essa insana alegria de abraçar a vida me rendeu todas aquelas memórias. Confesso que nem todas tão felizes, mas sempre com um ensinamento.
E então vou percebendo que cada pedacinho faz parte de algo maior, faz parte do que me tornei aos longos dos anos. Afinal, o que nos define são nosso pensamentos, nossos amigos e nossas escolhas. E embora muitas vezes tenha recusado, o próprio destino me jogou na estrada que não escolhi. E mesmo assim continuei caminhando, às vezes em busca, às vezes a esmo. E por tudo que passei guardo um pedacinho na minha estante, guardo um pedacinho de mim.
E então com um sorriso saudoso no rosto olho para aquele emaranhado agora então arrumado e sinto que tenho cumprindo meu caminho exatamente como o primeiro retalho de memória: uma menina de olhos castanhos ansiosos para conhecer o que tinha “lá fora”, com aquele medo encorajador que impulsiona a levantar após cada queda. Pois é, ela começou correndo, sentindo o vento nos cabelos e sol brilhando no rosto.
Mas o próprio tempo demonstrou que é preciso ‘tempo’ ou paciência para aprender absorver cada instante de cada dia e então saber como transformar pequenos momentos em preciosidades para serem lembradas eternamente. Mas sem perder o entusiasmo pela vida, essa vontade de continuar a desbravar o mundo, cair e levantar. É um contentamento inefável saber que aquela criança conseguiu a proeza de crescer e manter sua essência.
Então com a prosa em mãos vou escrevendo sabendo que estou caminhando no caminho que sempre quis e o mais importante da forma como nasci para ser. Sabendo que está tudo guardado com muito afeto na estante da memória.