Solidão

Ao carnaval de Salvador eu já fui atrás do trio elétrico – dentro da corda, fora da corda e no camarote – já cortejei as meninas safadinhas e sofri recusa das que se diziam decentes. Roubei alguns beijos, peguei emprestados outros. Também já ganhei tapa, abraço e arranhão. Bebi o tal do capeta, experimentei cravinho, cerveja barata, nevada e Pitu com Coca-Cola. Levei a moça até em casa e demos uns amassos em frente ao seu portão. Já comecei a noite com sarapatel apimentado e raiei o dia no subúrbio tomando caldinho de feijão. Tive momentos de felicidade aparente, tanto que repeti: ao carnaval de Salvador fui uma, duas, quatro, seis vezes... E próximo de completar uma década eu me encontrava no circuito Barra Ondina, com meu abadá colorido; no meio daquele mundão de gente eu me senti vazio, me pareci sozinho, tinha descoberto a tal da solidão.

Aperfeiçoei a danada em uma tarde quente de dezembro, fazendo compras de Natal. Após uma manhã inteira de agonia, subindo e descendo o calçadão via loja ou via banca de frutas na esquina já não mais definia minha localização. Comprei aquele ralo que faltava para a pia, o devedê para a tia, o perfume de mamãe e tudo o mais que estava na anotação (riscando os nomes, esvaziando a carteira e pensando nos senão). Eu exausto almoçando em um Praça lotado, já quase invisível e sem ar, inaudível e sem feição. Era então estrangeiro em mim mesmo e vi de novo um vazio. Largado como mar que não recebe o rio, desnorteado tal qual uma bússola e o sul, agulha sem bala, sangue e sal, fome e cal, ovelhas em Pérgamo, púrpura sem azul ou amor sem perdão.

Descendo a Andaló atrás de um sanduíche ou enfrentando o metrô lotado na Sé; divagando no pub ou criando coragem de declarar-me a ela... Tudo têm sido gestos solitários, desencadeados por um isolamento em expansão. E se me aquieto, calo ou aborreço; se ouço o Veloso no banheiro ou escrevo e posto, reposto e compartilho; faço por medo de me perder, de estar só, sem aquela firmeza de quem mergulha em si mesmo e a si se basta.

Se a solidão é estar preso ao condicional e sofrer pelo que se perdeu ou nunca existiu, então continuo refém de uma aurora que não aconteceu. Olho para trás a todo tempo, procuro o fim da rua, busco pessoas pelo caminho. Pareço estar no Feitiço do Tempo: um passado sem presente ou só o presente sem passado. Então sigo condicionado ao angustiante pretérito cheio das pantomimas e simulando satisfação.

Super Bacana
Enviado por Super Bacana em 25/05/2014
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