O GOLPE

Começo de plantão. Cheguei no Hospital com uma pontualidade britânica, o que não é minha característica. De antemão eu sabia que o plantão seria conturbado, difícil para não dizer quase impossível de ser levado.

A minha dupla estava viajando para os Estados Unidos, e não conseguimos ninguém para substitui-la, portanto teria que tocar o ambulatório e fazer os partos sozinho. O auxiliar para cirurgias estava presente, mas ele ficava dentro do centro cirúrgico esperando os procedimentos.

Cheguei a maternidade um tanto tenso. Chamei as atendentes e a enfermeira chefe e expliquei a situação, precisava de ajuda, e eu tinha certeza de que todas me ajudariam.

Comecei a atender as consultas, quando ouvi um burburinho fora do lado de fora do consultório. Pedi para a auxiliar de enfermagem que estava acompanhando a paciente que passava na consulta para ver o que estava acontecendo.

Demorou alguns minutos e ela voltou.

--- doutor, é uma moça, estudante de enfermagem que disse que foi agredida pelo namorado, os dois estão ai, mas acho a história mal contada. - ela sorriu.

Toda vez que uma auxiliar de enfermagem, sorri, eu de antemão antevejo problemas.

--- muito bem... se ela estiver com dor ou sangramento, ela será a próxima consulta.

A atendente saiu, e logo voltou com a ficha.

Terminei a consulta, orientei a gestante, expliquei como é as dores do parto e chamei a estudante de enfermagem para a consulta.

Ela sentou-se se contorcendo em dores, fazia menção de vômitos, tremula, toda descabelada. Não era bonita, mas não poderia dizer que fosse feia, mas tinha algo de estranho naquela mulher.

--- calma... disse eu. Diga o que aconteceu e eu vou te ajudar. De quantas semanas você está?

--- doutor... ela fez menção de começar a chorar. continuou.--- eu fui agredida pelo meu namorado. Estou de 4 semanas.

Fiquei revoltado.

--- como agredida, que tipo de homem é este seu namorado.

Ela se recompôs imediatamente.

--- bonito e rico. - sorriu

--- não importa se ele é bonito e rico, se ele te agrediu grávida, ou fará outras vezes, largue dele o mais rápido possível. - respondi sem pestanejar.

--- não doutor, esta tudo bem, eu só quero ver como está o meu filho.

achei estranha aquela afirmação. continuei os procedimentos. Não havia possibilidade de saber como estaria o desenvolvimento da gestação na paciente. com 4 semana ainda não existe feto, talvez um ultrassom transvaginal denotasse apenas o saco gestacional. Isso foi explicado para a jovem gestante. Prescrevi as medicações e sai para falar com o agressor.

Deparei-me com um jovem que sinceramente, e tivesse encostado um dedo na namorado por certo a teria machucado.

--- amigo, como fosse agride sua namorada, você dá três vezes a altura dela. - eu estava irritado, mas se ele se despusesse a discutir ou partir para briga, eu certamente teria que sair correndo. Usava um blusão de lutador do UFC.

--- calma doutor, podemos conversar no consultório. - concordei prontamente. Por incrível que pareça o brutamontes estava com os olhos lagrimejantes.

Entramos.

--- ouvi a história da sua namorada, e confesso fiquei revoltado. - eu sentado, e ele em pé.

--- doutor a verdade é outra, saÍmos uma vez só há mais ou menos 40 dias atrás, foi uma só doutor, depois de uma balada, na verdade ela não é minha namorada, para ser sincero não é muito o que eu gosto.... não sei se o senhor me entende, mas ela apareceu lá em casa dizendo que estava grávida, não trouxe nenhum exame, mas insistiu de que eu tinha que assumir o filho, eu disse que não assumiria nada, até a criança nascer.

--- entendo. - mas qual foi o motivo da agressão.

--- doutor, hoje ela voltou novamente em casa e disse que tinha tomado um montão de remédios para ver se abortava, eu apenas a segurei pelos braços e disse que isso ela não faria. foi isso que aconteceu.

--- quer dizer que ela não tem um exame que comprove a gravidez? - perguntei, os olhos dele continuavam a lagrimejar.

--- não.

--- pois bem a história esta mal contada, vou pedir um BHCG. O TESTE DE GRAVIDEZ MAIS FIDEDIGNO - estava terminando a minha frase quando a atendente entrou nervosa.

--- doutor a menina estava fazendo a maior confusão, não quer a medicação, quer que os pais do namorado sejam chamados, enfim esta fazendo barraco. Doutor... ela fez uma pausa, olhou para o namorado de olhos lagrimejantes, bonitão.

Para um bom entendedor meia palavra basta.

A atendente também estava em duvida com respeito a gravidez. a menina era uma piriguete de alto estilo.

Acrescentei nos exames um hemograma, e um BHCG.

--- diga a ela que eu pessoalmente vou instalar o soro. Levantei-me e fui pessoalmente fazer o procedimento. Quando me viu ficou quietinha e concordou com tudo.

Três horas depois saiu o resultado do exame. Uma alegria incomum tomou conta das atendentes do hospital.

Chamei o casal até o consultório.

Ela sentou-se e na presença do namorado se estremecia toda, parecia que ia sofrer um colapso nervoso, de vez em quando olhava o namorado que se ajoelhou ao seus pés, e tinha os olhos cheio de lágrimas.

--- calma. disse ele. - vai dar tudo certo, eu já disse que assumo o filho, mas ainda acho que precisamos fazer alguns outros exames.

Interrompi o princípe encantado.

--- não sei se a notícia que eu tenho é boa para os dois, ou se é boa para um só.

Ambos me olharam, com dúvidas.

Fiz uns minutos de silêncio proposital.da mesma maneira que o Faustão fez quando ganhei a minha bolsa de estudos, depois olhei para a menina.

--- sinto lhe dizer, mas o resultado do exame diz que você não está grávida.

Ela deu um pulo da cadeira. Ele saiu de sua posição de joelhos.

--- como não estou grávida, eu fiz o exame.

O grandalhão começou a sorrir.

--- eu tinha certeza. - falou já em pé.

Tomei conta da situação.

--- filha.... eu estou dizendo que o seu exame deu negativo.

a piriguete não perdeu a compostura.

--- esta vendo, você me fez perder o nosso filho. - gritou toda tremula

interrompi a cena novamente.

--- menina, você não perdeu filho algum, eu estou dizendo que você não está grávida, por favor pare de fazer cena. O teste esta negativo.

O grandalhão, encarou a ex-namorada.

--- graças a DEUS, vou contar tudo para o Edson, este sim o meu namorado. Saiu da sala e deixou todos nós um pouco desorientados.

A menina ex-gestante parou de chorar imediatamente.

As atendentes em coro.

--- que desperdício. O lutador da UFC, saiu para seu novo encontro.

Eu?... eu simplesmente comecei a rir, e continuei o meu atendimento naquele dia tão conturbado.

Ton Bralca
Enviado por Ton Bralca em 25/05/2014
Reeditado em 05/11/2016
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