GERUNDISMO

GERUNDISMO

- Alô! . . .eu gostaria de estar falando com o senhor José dos Anzóis...

- Pois não. É ele mesmo...

- Então... Aqui é da parte do cartão de crédito “Compracard”, o mais seguro, mais prático e mais confiável cartão de crédito do mercado financeiro, que vai estar lançando o serviço totalmente gratuito, sem estar cobrando qualquer anuidade...Enfim...

- Minha senhora, eu já tenho meus cartões de crédito e ...

- Senhor José dos Anzóis, eu vou estar pedindo a sua atenção para estar lhe explicando as inigualáveis vantagens...Enfim...

- Por favor, minha senhora, não insista...

- Mas Seu José, eu vou estar mostrando pro senhor...

Cai a ligação, propositalmente... É a única maneira de interromper aquela insistente e petulante conversa “gerundial”...

A língua é dinâmica, todos nós sabemos. Principalmente a língua falada. Só que esse dinamismo, normalmente, tende a seguir a lei do menor esforço, do caminho mais curto, de maior objetividade e menos preciosismo, na busca de “dar o recado” da maneira mais simples e segura possível.

Hoje em dia, entretanto, a moda é complicar. É dificultar para quem fala e irritar quem ouve. Em vez de dizer “amanhã eu te ligo”, por exemplo, o chique é “amanhã vou estar te ligando...” Isso, mal comparando, é mais ou menos como, em vez de passar pela ponte, atravessar o rio a nado. A primeira impressão que causa é a de antipatia, petulância: dá a entender que vai ficar ligando o dia inteiro!...

O gerúndio, em geral, dá uma sensação de continuidade. Não é como o particípio passado, que encerra o pensamento, ou como o infinitivo, que determina nominalmente uma ação, sem localizá-la em seu devido tempo.

Imaginemos a seguinte situação: você para seu carro num sinal luminoso em uma avenida movimentada e, de repente, chega um baita de um menor avantajado, que lhe mostra uma arma novinha em folha e, educadamente, solicita seu precioso dinheirinho. Se ele disser “...me dá seu dinheiro, senão te mato”... aí não tem jeito! Mas se, em vez disso, ele falar ...”vou estar te matando”, parece que tem até tempo pra fugir, não é mesmo?

Calma, prezado leitor, isso é apenas uma hipótese. Afinal, nós estamos no Brasil, este “Gigante pela própria natureza”, que, “Deitado eternamente em berço esplêndido”, jamais aceitaria uma cena tão degradante...Somos quase “primeiro mundo”!

Aliás, eu sempre falei que nosso país, pra ser de “primeiro mundo”, só falta ter vulcão. Antigamente, vulcões, terremotos, maremotos, furacões, ciclones, falta d’água, eram exclusividades dos países desenvolvidos, mas hoje estamos quase chegando lá!

Bem, voltemos ao gerundismo.

Em síntese, o gerúndio, na maioria das vezes, é mais complacente. Mas cuidado com essa sua fachada de lobo em pele de cordeiro. Para ele se transformar em particípio passado, ou seja, de “matando” pra “matado” (ou morto), depende apenas da quantidade de dinheiro que você tiver no bolso... Nossos “de menor”, robustos e bem criados (em geral), estão ficando cada vez mais exigentes!

Portanto, nunca se esqueça de um provérbio interessante, agora “gerundiado”: enquanto estiver existindo cavalo, São Jorge não vai estar comprando bicicleta...

Alírio Silva

Membro da ABDL(Academia Bom-Despachense de Letras)

alirio@uai.com.br

Alírio Silva
Enviado por Alírio Silva em 28/05/2014
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