Terno X Tênis. Você está de gravata? Cuidado com o porteiro!
WALCYR CARRASCO
Terno X Tênis
Você está de gravata? Cuidado com o porteiro!
É incrível. Os maîtres e garçons de restaurantes finos andam mais chiques que a decoração. Se chego descontraído, de tênis e jeans, me tratam como se fosse um meliante. Aparece alguém de terno seja tão elegante quanto uma barraca de acampamento. Dia desses, um amigo, diretor de empresa, foi me encontrar em um estrelado do Itaim. Desembarcou do táxi de calça de preguinhas e camiseta. O maître aproximou-se, com um sorriso de boca torta:
- Onde o senhor vai?
- Almoçar.
- Tem reserva?
Por sorte, eu já estava lá dentro. O restaurante, um deserto. Fomos tratados como candidatos a faxineiros. Quando pedi sobremesa, o garçom me olhou com jeito desconfiado. Como se fosse um atrevimento da minha parte. Nem tive coragem de dar cheque. Ofereci o cartão de crédito, que ele ficou revirando alguns momentos nos dedos.
Porteiros de prédio são piores. Fui visitar uma amiga em seu novo apartamento no Morumbi. Vesti tênis, jeans, camisa branca. Falei com a guarita pelo interfone. O porteiro:
- Não sei se ela vai poder atender.
Fico furioso: ele tem de saber de alguma coisa? Por acaso foi contratado como secretário, para tratar da agenda dela? Pois que ligue o interfone e verifique. Ele me olha com rancor. Chega um rapazinho de terno e gravata, todo amarfanhado. Parece que dormiu dentro de uma batedeira de bolo. Mal espeta o dedo na campainha, o porteiro abre solícito:
- Posso ajudá-lo em alguma coisa?
Pior me aconteceu numa corretora de investimentos. Sou atendido no portão por uma recepcionista de calça de linho. Peço para falar com um amigo que trabalha lá.
- Está numa reunião e não pode atendê-lo – rugiu o cavalheiro, sem saber do que se tratava.
- Só vim buscar um livro. Talvez a secretária possa passar um bilhete e resolver o assunto.
- O quê? Ela não pode, não. Pensa que todo mundo é obrigado a fazer suas vontades?
Fico em dúvida: chamo a ambulância? Loucura tem limite. Mais louco deve ser o dono da empresa, que deixa alguém atender à porta dessa maneira. Em casa, me examino no espelho. Pareço um espantalho? Coisa nenhuma: gosto de misturar paletó com jeans, blazer com camiseta. Igualzinho nas revistas de moda. Talvez o negócio seja botar uma delas embaixo do braço e negociar:
- Olha aqui, seu maître. Estou vestido que nem o moço da foto. Não me trata mal.
Com as mulheres é até pior. Uma amiga que faz o gênero descontraído vive sendo barrada. Nem ousa chegar perto de restaurante francês. Costuma ficar ancorada no bar horas e horas, porque nunca tem mesa. Se insiste, é atarraxada no fundo da sala e passa a noite toda tentando atrair a atenção dos garçons. Que fogem, de nariz empinado. Acham brega atender quem parece suburbano. Sem falar das casas noturnas que proíbem tênis. Hoje, por um desses mistérios de indústria, um par tornou-se mais caro do que mocassim. O recepcionista parece sentir um prazer sádico em declarar:
- De tênis não entra.
Fico fascinado ao verificar como certas pessoas adoram bancar o oficial nazista. Um terno pode ter sido comprado a prestação. O jeans pode ser de grife. Analisar uma pessoa pelo que ela veste só dá confusão, pois atualmente, à primeira vista, um encanador e um milionário correm o risco de andar com roupas parecidas. O que me dá mais raiva é que maîtres, garçons e porteiros talvez pensem que são tão finos como as cadeiras e os objetos de arte dos lugares onde trabalham. Mas e na hora de ir para casa? Algum deles possui, por acaso, a última coleção de Paris no guarda-roupa? Ou um terninho soterrado na naftalina, para usar em casamento de amigo? Fico imaginando que chegam em casa e caçam caramujos no quintal só para ter o prazer de comentar:
- Em casa tem escargot.
O pior de tudo: e se alguém quiser torrar as economias num restaurante de luxo, merece ser mal recebi só porque ganha pouco?
Cheguei a tentar usar terno até para ir à quitanda. Me dei mal. Noite dessas, me emperiquitei todo e fui a um restaurante. Até coloquei minha gravata inglesa com desenho de porquinhos. Adiantou? Percebi o olhar de censura do maître cabeludo no instante em que pus os pés no local, próximo da Avenida Paulista. Todos os garçons de jeans e tênis. O único de gravata era eu. Ouvi um comentário:
- Olha o cafona.
Quase choro. Regra vem, regra vai, eu sempre acabo como espantalho. Ai, que vida!
VEJA SP, 12 DE ABRIL,1995