MEIO SÉCULO DE EXISTÊNCIA

Enfim, eu ia dar os parabéns. 5.1 de existência! Sim, isso mesmo. Antônio estava completando no dia 22 de Abril, o seu qüinquagésimo primeiro ano de existência: mais de meio século! Para quem, diziam, não chegaria aos trinta, chegar a comemorar bodas de ouro mais um, era uma vitória surpreendente de todas as batalhas já participadas. E eu, claro, fui apertar a sua mão, congratular-me com seus amigos e, de quebra, tirar um sarro da cara do nobre conhecido de longas datas, também.

Na chegada notei uma movimentação muito pequena para o tamanho do evento, pois percebi que não passava de meia dúzia, o número de pessoas que circulava entre a frente da casa e a sala onde estava colocado um bolo de dois andares; duas velas simbolizavam a data, e a presença de duas crianças lambendo os beiços loucos para provar daquela delícia que estava ali para ser devorada, completava o quadro.

Entrei entusiasmado demais para a atmosfera reinante no recinto. Vi, ao longe, saindo por uma porta – que provavelmente era a do seu quarto – o parabenizado, de cabeça baixa, sisudo, com ar de poucos amigos e, sem sombra de dúvidas, indiferente a comemoração em sua honra. Não me fiz de vencido – mesmo porque não sabia o motivo – e investi sobre o dito cujo, abraçando-o e dando-lhe parabéns pela festiva data.

Fui abraçado, por cordialidade e o “obrigado” que saiu das profundezas orais do caríssimo companheiro, soou como se fosse o toque do instrumento de sopro tocando uma marcha fúnebre. Aí eu parei, olhei para ele e perguntei o que era, o que tinha acontecido ou o que estava para acontecer.

Ele pegou-me pelo braço, levou-me quase que arrastando para o quintal de sua casa, me fez sentar ao lado de uma mesa preparada para os convidados, ajeitou-se também numa outra cadeira, olhou para mim e assumindo ares graves, com o semblante totalmente contraído pela preocupação, deixando transparecer os anos realmente vividos, disse:

“- você sabia que, o que eu vou viver daqui pra frente não é mais a quantidade de anos que eu já vivi até agora?” – dito isso ele procurou imediatamente a minha resposta, o meu conselho, o meu consolo.

Confesso que me deu vontade de rir, juro! Porém, como o momento tinha se impregnado com um tom solene, cruzei as pernas, coloquei a mão sobre o queixo, olhei para um ponto no infinito, fiz caras de intelectual e mudando o olhar para o olhar fixo e apreensivo do interrogante, respondi:

“- em parte sim. Agora, não serei eu nem você que terá essa resposta, nem tampouco o melhor especialista em medicina, muito menos a cartomante da esquina”.

E continuei:

“- você deveria estar exultante, vibrando de alegria, pois ao longo desses anos vividos você foi testemunha das mudanças mais significativas na evolução do homem, em todos os aspectos!”

Parei por um instante para poder avaliar o efeito que havia causado com minhas palavras e para me imaginar tendo vivido quantidade de anos, também.

“- Antônio, você é uma enciclopédia viva! Você viu o primeiro homem a orbitar o planeta terrestre, acompanhou, depois, o primeiro homem a pisar na lua, assistiu a copa de setenta ao vivo direto do México e teve a honra de ver Pelé jogar ao lado do melhor time de todos os tempos! Além disso, você participou dos movimentos de liberdade, de contra cultura, a época hippie – onde paz e amor eram muito amor mesmo –, viu nascer o computador, cantou a jovem guarda, a bossa nova, o tropicalismo e assistiu ao primeiro Rock In Rio do Brasil, com os hoje, dinossauros, Rod Stuart, Scorpios, John Cocker (In memorian), Queen com Fred Mercury (In memorian), Oz Osborne, enfim, cantou Caetano, Gil, Chico, Gal, Betânia e o Rei Roberto Carlos”.

Vi que ele continuava reflexivo e achei que poderia ser pelo fato de ter dito somente coisas irrelevantes, já que o nobre colega era uma pessoa dada aos livros de história e enciclopédias, em geral. Resolvi explorar esse lado para ver se tirava um pouco de peso daquele olhar:

“- O que me dizer sobre a revolução de sessenta e quatro? Você foi testemunha, inclusive, participou ativamente servindo as fileiras do exército brasileiro! Você acompanhou a guerra do Vietnã e seus horrores, você viu nascer o sindicato dos trabalhadores e a dura luta de seu líder, hoje presidente Lula. Viu o anseio do povo brasileiro pelas diretas já! Acompanhou o processo de redemocratização, de Tancredo até os dias atuais, com esperanças que eu dia ela aconteça de verdade, viu cair o muro de Berlim e o fim da União Soviética, torceu pela Perestróica Rússia e viu o mundo enterrar seus lideres maiores: Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, John Kennedy, John Lennon, os quatro últimos papas (João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II), Marthin Luther King, Perón e Ayrton Senna”.

Olhei, finalmente, o interesse do amigo e concluí:

“- Agora, o mais importante foi você, durante o decorrer dos anos, ter construído uma família linda, e os ter encaminhado para a vida e o mundo. Isso sim é a maior história que você pôde viver e acompanhar! Faça o seguinte: viva cada dia como se fosse o primeiro dos cinqüenta e um, o resto será apenas o complemento”.

 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 13/05/2007
Reeditado em 06/02/2012
Código do texto: T485245
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