OS CIGANOS ALEGRES...INCOMODAVAM.
“Todos os seres nascem livres e iguais em
dignidade e direitos.São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de                                     fraternidade.”                     
(Art.1º.da -Declaração Universal dos Direitos do Homem)
 
O pouco tempo que permaneci em Tanabi,como delegado de polícia,foi deveras gratificante,em tudo e por tudo na vida.Valeu.Por outro,já estudava,dia e noite, muito,mesmo recém-casado e lecionando à noite Direito Usual,em Escola do Comércio,de Votuporanga  para deixar,abandonar,em definitivo a carreira policialesca,eis que do Jornalismo libertário e sem fronteiras,entrei e passei para carreira que os meus amigos e colegas,jornalistas,também os advogados de escritório em SAMPA,condenaram-me,assim:
Você delegado de polícia? Imagine,só! Você não é “tigre”! Tá tudo errado”.          

Tinham razão!
Mesmo contrariando amigos e colegas,por melhores salários ou seja, vencimentos(ganhos) assim foi,ainda por alguns longos anos,até passar em rigoroso,duríssimo concurso público de âmbito federal,em carreira de melhor posição,“status” e,também, mais reconhecida,em todos os sentidos,além de melhor  remuneração,sem ser “tigre”:Ministério Público da União.                          A polícia é mais temida que respeitada.Idem,seus quadros.Não tem jeito mesmo.Assim dizia Zaratrusta!!
Um dia,chegando de Votuporanga,onde residia, e logo na rodovia,bem no contorno da entrada da cidade de Tanabi para trabalhar/delegar,lá se instalaram grupos de ciganos,gente extravagante, com famílias,homens,mulheres,crianças,em lonas, protegidas e projetadas,amarradas com cordas rústicas. Até aí,nada demais.
Isso,com o correr dos dias,a trupe já incomodava a cidade,melhor,a população,ora por alguma venda de tachos reluzentes de cobre ou roupas coloridas,panos de cozinha, quinquilharias das ciganas,doidivanas.  Por terrível medo e preconceito não eram bem vindos. Tanabi não queria essa gente nas imediações,embora o Prefeito assim concordara.
Os ciganos não são auto-suficientes,por óbvio,(com suas roupas exóticas,chamativas,exuberantes,brincos enormes,nas orelhas  homens e mulheres,cintos extravagantes, exóticos) entravam,invariável, na cidade---centro e bairros--- ou para comprar água mineral ou produtos básicos para a sobrevivência. Certas pessoas entendiam que aquilo era um perigo eminente, nefasto,eram todos eram perigosos,indesejados,ladrões de criancinhas inocentes, indefesas e portanto deviam deixar o contorno da rodovia.Enfim,precisavam sumir.Desaparecer.
Sabia que os ciganos vivem outra realidade e lutam para manter sua cultura,mas isso nem sempre é aceito fácil, a céu aberto.Basta saber que,por exemplo,cultuavam os dentes da frente das  mandíbulas com ouro puro  ,como “status” e identidade: não abrem mão dessa tradição incomum.Toda a riqueza carregam na boca. Não tem pátria,mas aceitam qualquer religião,jamais abrem mão da liberdade geral e irrestrita.Cultuam uma deusa,a da LIBERDADE,mas não aquela da entrada da Ilha de Manhattan,em Nova Iorque,dos norte-americanos.É outra!
Os homens vivem de negócios vendendo preciosos tachos de cobre,feitos a mão pela grei e saem vendendo pelas ruas.Nem sempre vendem ou agradam.Tinham um líder,um mentor,sempre mais velho.Seria o nosso pagé ou cacique dos primeiros nossos nativos.Coitados. 
As mulheres não usavam sutiãs, mas roupas longas de fino tecidos  transparentes,aparecendo os seus belos contornos nas exuberantes e exóticas  jovens,sempre,invariável,com trajes nada convencionais,típicos,coloridos,procuravam quase sempre empurrar algumas roupas feitas,manufaturadas pelo pequeno grupo,e,dependendo da “cliente” insistiam em ler as mãos,para sempre prever o futuro.Aí é que entram os homens em ação,preferencialmente,os maridos- os chamados "chefes de família"- desconfiados e,estes rejeitavam qualquer ajuste em futurologia.Não queriam  que suas mulheres soubessem do  passado,do presente e muito menos do futuro...Nada disso.Acho até que os homens,no fundo,temiam mesmo o futuro,muito mais que suas próprias mulheres,invariavelmente curiosas.Eram covardes,os homens.Ou incréus,nesse mistério e na novidade indesejada e invasora.
Os ciganos são nômades e esses que acamparam eram da etnia calon,não usam jamais a palavra “endereço”, nem usam o verbo “morar”.Tudo isso não existia no universo dos ciganos,nem os invasores de Tanabi.Eram só transeuntes,passantes,andantes,aqueles que não se fixam em lugar algum,isso em todo o mundo.Nem possuem RGs. e não entram em estatísticas oficiais.Alguns nem tinham certidão de nascimento ou casamento.A cultura deles é peculiar e a transmissão das mensagens é sempre oral.Nada se escreve.Eram,em sua maioria analfabetos,mas sempre espertos.O chefe do grupo- mais culto e falante- explicou que a etnia calon vinha da Espanha e Portugal,séculos passados,embora a origem dos ciganos seria na antiga Romênia,hoje,próximo ao Irã e Oriente Médio,incluindo também a Eurásia.Aprendi que a coruja é o símbolo maiordocigano,significando:segurança.Mostrou-me,com orgulho,a bandeira dos ciganos,que é universal,em cores vermelho e preta. Achei bonita.E,na época,eram mais de 20 milhões vagando em todo mundo!
Desde tempos remotos são os ciganos fáceis vítimas de remotas eras,desde milênios,de governos,religiosos e preconceituosos.  A Inquisição--Idade Média-- perseguiu-os e para culminar a extrema sentença,surgiu no século XX,um tal de Adolf Hitler- bem conhecido mundialmente,recente- na Alemanha que, além de judeus,cristãos,negros,mandava todos diretos para o forno crematório,impiedosamente.Os ciganos idem,tudo porque não eram “raça pura”.Chegaram a mais de 1 milhão conhecer o “paraíso eterno”,assim chamado,depois de passarem pelos campos de concentrações.  Os nazistas achavam ser “colônias de férias” os campos de extermínio destinados aos impuros em geral de sangue,pele,etnia...E,os ciganos,invariavelmente são morenos,cabelos negros.Há exceções.
Assim foi.Muitos,mesmo com o holocausto sobreviveram.  Afinal,o sol ainda nasceu para todos.
Dizia o velho líder que os seus casavam entre si.(primos)E,para isso tinham um ritual muito interessante.Cultivam todos o tabu da virgindade e nada de namorar.Após o enlace,a exibição do lençol manchado de sangue é,ainda obrigatório,para a esposa-consorte. O verbo do grupo na unanimidade é só um: casar.Não há outro na relação homem-mulher.E,dizem- efetivamente-  são  felizes,porque são livres,mesmo sem lenço,nem documento.O machismo é quase sempre a regra,embora as mulheres são respeitadas.Crianças,mais ainda.Algumas do acampamento eram saudáveis e bonitas.
Todos eram alegres,gentis.  Real e inquestionável .      Não teve jeito,fui até o acampamento visitá-los,sem pruridos policialescos,para dialogar,em missão de paz.Recebido muito bem por todos e dei-- diplomaticamente- o recado da cidade,da população inquieta e incomodada pela inesperada “invasão” dos chamados/proclamados indesejáveis bárbaros,andantes,  vagantes e intrusos.
O chefe cigano ouviu-me,em silêncio e  agradeceu,ao final.                 Seguiram em frente,noutro dia.Não sei para onde...
                                             Precisava!? Acho que sim!Era a sina,já estava escrito...

Antes de voltar à delegacia, um deles aniversariava,naquele dia.Ouvia-se música cigana (coisa rara),no centro uma fogueira.  Repartiram o grande bolo recheado,depois do “parabéns a você”.Comemoramos então. E,ao sair uma linda jovem cigana - não  a esqueço- entregou-me uma enorme fatia para levar para casa,num prato de papelão,bem coberto e embrulhado de fino papel...Uma delícia o bolo cigano.Gostei de tudo que vi.  Apreciei-o  em minha casa,tudo,tudo,mas sem algum remorso.
A paz,supostamente,voltaria na cidade.