ORGULHO DE LIMPAR BANHEIRO

As jovens discutiam entre si em voz alta. Faziam questão que todos no ambiente que ocupavam, uma espécie de sala dentro de uma boate prestes a iniciar o expediente, escutassem o que diziam. Não diziam nada, era só papo de dondocas e patricinhas recém chegadas das férias em Bariloche. Quero dizer, para elas, que todos soubessem que curtiram o verão na estação de inverno era uma situação crucial.

Os ouvintes involuntários, loucos já por não ter começado ainda o trabalho do DJ, outros que estiveram também em Bariloche recentemente, porém, na estação certa, queriam mais era que as matracas deixassem de ser exibidas, pois naquele ambiente elas não eram melhores do que ninguém. E as branquelas ainda davam um fora, falando de suas férias de verão em um local que quase não é sequer no exterior.

Nesta vida eu já vi de tudo. Preto que fala mal sobre o preto; Pobre que fala mal sobre o pobre; Crente que fala mal sobre o crente. Emergente que fala mal sobre emergente, se aquelas meninas falassem seria a primeira vez. Mas elas não me decepcionaram. Falaram mal foi sobre assuntos que constrangem quem não é da Classe em reunião. O que é o tal do status senão se sentir melhor do que alguém?

Se sentir, não significa ser de fato. Há uma distância longa entre uma coisa e outra. Nunca se sabe se aquele a quem uma fala soberba se dirige, na intimidade ele não é até melhor do que quem fala, não é mesmo? Mas a Paula não quis nem saber. E a Rosário, que limpava o banheiro da boate sempre às sextas-feiras antes de começar as farras, estava no cômodo quando a recém saída da adolescência entrou. A garota viu que Rosário estava para terminar seu trabalho em um dos boxes e quis apressá-la, pois os outros a zeladora ainda começaria a limpeza.

"Precisa demorar tanto, eu estou apertada". Paula disse. O sangue da Rosário ferveu. É a aquela mesma Rosário que deu o troco no marido da crônica que publiquei aqui, é só procurar para ver como a quarentona é porreta. Parou o que fazia, segurou o cabo do esfregão com as duas mãos, parando-as no queixo, observou, esperou baixar o santo e lascou o que tinha para dizer. "Não trabalho para você não, santa, se quiser limpe um dos boxes que eu ainda não comecei a limpar".

Pra quê? A santa, como disse a Rosário, fez questão de dizer em voz alta que sequer sabe como se limpa banheiro. E completou dizendo que nunca precisou, que teve berço, que estudou e agora ela leva a vida a desfrutar do que plantou. Ops: recebeu.

É. Se fosse uma dessas mulheres que sentem orgulho por não saber limpar banheiro porque conseguiram se tornar bem-sucedidas dava para perdoar: É o sistema que as iludem e as fazem se pronunciar assim. Mas só perdoar, logo em seguida entregar o rodo para ela fazer o serviço ainda assim. Por isso é que Rosário nem deu ideia e continuou a esfregar, pois quanto mais rápido ela terminasse, mais cedo deixaria de conviver com as estirpes do tipo que ela tinha à sua frente. Ela ia caçar ver dondoca espernear até ela ceder? Não. Fez questão de disponibilizar o reservado para a estranha e passou para o próximo.

Dezoito horas em ponto. A boate já decretara aberto o funcionamento do dia para a preliminar sem som. A badalação aconteceria dentro de umas duas horas ainda.

Serviço todo acabado. Brilhando chão e vasos sanitários. Vidros das portas dos closet e espelhos. Colocado sabonete líquido nos receptáculos, perfumado o ambiente. Estava sozinha, a faxineira, regozijando-se do trabalho bem feito. Fazia tempo que partira emburrada a moça mau educada. Saíra indignada com a falta de submissão da funcionária da zeladoria por alguém que se achava por algum motivo superior a ela. Isso humilhou mais a protagonista da indelicadeza do que qualquer coisa que ela tentasse dizer para a outra feliz com o que faz.

Se Rosário fosse embora logo e não ficasse ali namorando o serviço que desempenhara, ela não teria conhecido o homem alto, bonito, galante e endinheirado que entrara por engano no banheiro feminino, hipnotizado pelo perfume que o intrigara quando seguia para o banheiro certo e teve que se expor ao errado ao cruzar o corredor. A quarentona dessa vez pescou um mancebo. Não, na verdade já balzaquiano. Não que ela tivesse dado um golpe. O cara se enganou, entrou, gostou da arrumação, aproveitou que a dona dela estava por ali e fez o devido elogio que um galante não faltaria de fazer. O problema é que havia um mistério na arrumação de Rosário que deixava os homens malucos. E não rolou nada ali não. Não era o Ágatha, o motel onde ela trabalhava, e ela não queria arriscar perder o novo emprego. Ficaram na troca de número de telefone, pois, é claro, Gustavo não estava sozinho no happy hour que fora curtir no bar-boate.

Rosário parece que anda se especializando em tomar o homem de outra. Dessa vez quem sobrou foi Paula. a recém saída da adolescência que estivera no recinto logo quando a arrumadeira iniciou sua tarefa. Sim, Gustavo era o namorado dela. E foi ela que ensinou a ele o caminho dos toalhetes quando estava agarradinha com ele trocando beijinhos alternados com bebericações de chope. O que facilitou as coisas para Rosário, a quarentona, foi o fato de Gustavo não suportar os assuntos de gente bem sucedida. Inventara de ir ao toalete tão somente para se livrar um pouco dos comentários, puxados pela própria namorada, que a mesa dialogava: Reverenciar o fato de não se saber limpar banheiro.

Pra que Paula foi evidenciar sua indignação contra a faxineira que encontrou no banheiro? Uma mulher feia que quer chamar atenção em uma festa procura se isolar no salão. Todo mundo se interessa pelo ar de mistério. Para isso não tem classe que difere da outra.