Nelson Rodrigues fala sobre Neymar
Amigos, fui hoje à redação de um velho jornal. Entro lá e vejo, por toda a parte, caras a meio pau. Deduzi imediatamente: Neymar. Era, sim, o luto, era a dor, era o velório da fratura. Desde ontem à noite que todo o Brasil chora e todo o Brasil vela a contusão de Neymar. Como diria Brás Cubas, até a natureza se associa à melancolia nacional. Os ventos são mais tristes, os ventos são mais inconsoláveis. E, súbito, encontro na redação um velho amigo. Ia cumprimentá-lo, mas já o colega se punha de pé. Com o olhar dos profetas – olhar varado de luz –, a fronte alta e fatal, ele anuncia: “O Brasil vencerá a Alemanha”. Pausa. Novo arranco de vidente para completar: “A vitória do Brasil será um quadro de Goya”. Foi só, ou por outra: não foi só. Em seguida ele pôs-se a andar pela redação como um centauro truculento.
Vibrei ao ver o colega enchendo a redação com suas rútilas patadas. O desespero está ventando por todo o país, mas há uma possibilidade insuspeitada e genial: a de que Bernard desponte como um novo Neymar, e repito: um Neymar branco, mas Neymar. Vejam vocês o que é a chance histórica. Aí está Bernard, o da alegria nas pernas. Ele não ia entrar em hipótese nenhuma. Com suicida teimosia, Felipão e Parreira estavam dispostos a deixar Bernard eternamente na cerca. Não percebiam que o craque é um possesso e que o ataque precisa é de possessos. E, súbito, a fatalidade põe o dedo no escrete do Brasil. A mesma fatalidade que roubou Neymar salvou Bernard.
Antes da fratura de Neymar, que fazia ele? Como o pescador de “O velho e o mar”, sonhava com leões. A fratura de Neymar foi para Bernard como a Revolução Francesa para Napoleão. O adversário é a perigosa Alemanha, mas o perigo viriliza, enternece e ilumina o Brasil. Sim, o perigo desperta e açula no Brasil sombrias potencialidades. Cada brasileiro deve ser um profeta, vidente do triunfo. E, de resto, cada um de nós precisa acreditar no Brasil com pesado e obtuso fanatismo.