Sem “chororô”.

Então eu resolvi torcer nessa Copa. Resolvi mesmo. Pela primeira vez pensei em assinalar os resultados dos jogos na tabela e fazer comentários com o meu filho. Dei palpites, fiquei “antenada”, esperando as próximas partidas, ganhei num bolão.

Nunca fui desportista. Alguma memória guardei do torneio de 82. Recém-chegada das aulas ministradas no pré-vestibular, numa unidade no paulistano bairro de Santana, bem distante do meu Cambuci, cansadíssima de ficar tantas horas em pé, o meu pai abriu a porta da cozinha e, com as mãos na cabeça, disse: “A Rússia fez um gol”. Era ainda tempos de União Soviética e eu não dei a mínima. Não me levantei para ver o jogo e muito menos saber o resultado final.

Mas dessa vez eu resolvi colocar bandeira no carro, na janela da sala. Sem alarde, achei que a vitória seria nossa , dentro de casa.

E aí a Alemanha resolveu ganhar à larga da nossa seleção.

Final do primeiro tempo, desliguei a televisão e fui passar roupas.

E pensei na herança desse evento.

Para mim, ficou a humanidade do David Luiz quando, no final do jogo com a Colômbia, abraçou ostensivamente o jogador rival que conseguiu fazer o único gol do seu time. E esse rapaz chorava. Trocaram as camisas e o David Luiz ficou vestido com a mesma até conceder entrevistas. Ficou a imagem da serenidade e do respeito por parte de um rapaz ainda tão jovem mas que sabe dialogar, respeitar o sentimento de perda do adversário e essa imagem correu mundo. Que bom! Pudemos mostrar que existem pessoas civilizadas na nossa sociedade, apesar de a mídia sempre apontar o contrário.

Ficou a entrada de muitos milhões de dólares, dinamizando a economia, além das centenas de novos empregos criados. Maravilha!

Ficaram muitas melhorias urbanas que serão aproveitadas por um número muito grande de pessoas, a belíssima recepção aos visitantes, a organização, o questionamento sobre a nossa péssima, degradante auto-estima.

Mas ficam outras coisas também: é preciso aprender a não colocar o coração inteiro naquilo que depende somente do outro. Vendo pessoas chorando, principalmente crianças com a boquinha aberta em pleno Mineirão, fiquei pensando: é preciso aprender que o mundo não está aí para nos servir. O “mundo mundo, vasto mundo”, é de todos, não importa se eu me chame Raimundo. Existem sonhos mas existe também a realidade. Que é bom dar alguns passos para trás, às vezes, sem tanta dor. Para que outros passos para frente aconteçam com segurança. Ser brasileiro com muito orgulho e com muito amooooor representa – ou poderia representar – o exercitar de um compromisso constante para que as coisas melhorem. Primeiro, trabalhar o brio no seu sentido mais amplo: a dignidade, a seriedade nas relações, o não aproveitar de situações em que outros se atropelem. Respeito sincero para com a bandeira, com o nosso chão. O chão onde pisamos e nos sustenta. Respeito para com o outro, que a gente se relaciona e que merece ser visto e tratado como irmão. Parar de ficar fantasiando ou culpando quando nós somos responsáveis pelos nossos destinos.

A Alemanha ganhou o jogo, mas merecia ganhar?

Há trinta anos frequento regularmente as colônias alemãs de Santa Catarina. Jamais percebi por ali o autodeboche, a autodesvalorização, mas antes a valorização do trabalho, da cultura e da própria história. É comum a reverência ao passado de sofreguidão dos desbravadores e a valorização do esforço coletivo em prol do bem comum. Os defeitos acabam se apequenando diante da grandeza do trabalho executado com firmeza.

Foi o trabalho que tirou a Alemanha do caos. Perdeu as duas guerras mundiais, sendo que, no final da primeira, foi brutalizada pelas determinações do Tratado de Versalhes em 1919 . Infelizmente o nazismo triunfou por mais de uma década, mas, pela honra ao trabalho e à cultura do seu povo, depois dessa tragédia irreparável, incomensurável e inesquecível, o país voltou a se erguer.

Mesmo com enganos colossais e hediondos, o país se fortaleceu e foi buscar de volta o seu orgulho nacional.

Precisamos, depois dessa surra assistida pelos quadrantes do mundo, discutir essa coisa chamada “amor próprio” e que a bola chutada nos campos ceda lugar a outra bola: aquela fincada na ponta superior do pescoço. E, essa sim, que sirva para nos colocarmos frente ao mundo: buscando soluções verdadeiras para os nossos problemas crônicos, não criticando pelo vício de criticar, mas, sim, de encontrar alternativas para aquilo que não funciona a contento. Que a bola sobre o pescoço melhor se comunique com o coração não para um sentimentalismo piegas, mas para a convivência saudável, dialogal, sem o nosso miserável e vicioso mi mi mi de pessoas emocionalmente débeis, que gritam contra a corrupção mas se vendem por qualquer vintém. Essa bola sim, que segura as duas orelhas, uma de cada lado, que merece um trato refinado. E aquela boca, que existe na parte da frente e é uma só, propositalmente para que seja menos usada, que fale o construtivo e que os sons emanados dali sejam de bom senso e banhados de sensatez, distante do sarcasmo, da maledicência, dos palavrões que afrontam a dignidade de qualquer ser vivente.

E se perdemos feio na partida contra a Alemanha e vier alguém dizendo que foi pela falta do Neymar, tanto pior. Isso mostra a nossa dependência psicológica e uma boa dose de irresponsabilidade e isso nos faz ainda mais bebês chorões que costumam não encontrar saída para nenhuma situação embaraçosa.

Abra o olho, Brasil! Que essa sova histórica sirva para dizer que, para amarmos verdadeiramente o nosso país, devemos lutar para que todos vivam com dignidade e respeito. Que devemos ser honestos e íntegros e ensinar essa atitude para os nossos filhos cotidianamente mesmo que uns tantos riam de nós. Que devemos ser responsáveis pela vida que criamos e nunca esperar soluções de quem não quer nos oferecer nada ou quase nada. Que devemos olhar adiante com esperança e alegria, mas cumprindo as exigências do cotidiano com presença e seriedade. Sem patriotada sazonal. Com compromisso em todos os campos e não só no Mineirão.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 08/07/2014
Reeditado em 08/07/2014
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