Da milionésima partícula de sabedoria.

Meio sem jeito. E não haveria de ser diferente, pouco se sabe das amarguras que cada um traz na retidão do olhar, só se vê o visível e julgamento se torna vil conduta.

No remanso fino da noite, envolto pelo véu suave da madrugada o menino ora, entre largos bocejos e piscadelas inocentes, joelho sobre o tapete monocromático que alguém bordara em algum instante da vida.

O sono toma-o de assalto, de supetão, assim como a areia a cobrir os pés no vai e vem das ondas, por segundos que parecem horas o menino sonha.

Sonha com o próprio quarto, perplexo por instante, tentando distinguir o sonho e o real, observa quantas histórias se entrelaçam, se aglomeram num espaço diminuto. Mas pujante, como se a vida soluçasse pelas paredes desbotas.

Quem construíra o guarda-roupas, pensava ele, a cama, o sofá, em que momento no tempo as frestas aparecera nos vãos do assoalho de madeira.

Quanto suor e desprendimento abdicado sobre o dia que desliza e estórias que se chocam.

Assim como pássaro altaneiro alça voo nas torrentes de aragens frescas, nasce no sertão da mente uma flor corajosa, que necessita de caridades tantas das nuvens mais saudosas, gotas de esperança para vida desatinar.

O Menino sonha. As palpitações se colidem e se fundem com as batidas do prego o torcer dos parafusos que mais se assemelham a redemoinhos, essas peraltas ventanias bagunceiras, que como o orvalho que sucumbe e evapora no primeiro raio solar da alvorada gentil, mas deixa grama verdejante, onde pisam pés, onde aranha faz moradia, deixam rastro de passagem.

Quanto há do semblante da vida, na cama e no sofá. Em algum lugar debaixo das estrelas a menina de face tristonha e trejeitos tímidos traz um descontentamento na alma, acha que será mais um ano de vida que passa sem presente.

Mal sabe a face pueril de olhos sisudos, que o pai trocara a cama que foi feita em dia chuvoso de abril, por belo presente.

Logo ali na loja da esquina, onde o amor engatinhou na pressa dos olhares copiosos entre ele e a atendente, em tempos onde o amor corria franzino pela vida, desprovido de sutileza, de mãos dadas com a alegria, esgarçando risos delirantes, entorpecendo os corações devolutos. Desse encontro ela nasceu.

Sabe-se lá de tantas idas e vindas, de quantos momentos breves, de tantas almas que se cruzam e se colidem no canto escuro da mente chamado quarto.

Como que se objetos inanimados, estáticos, rijos e inertes tomassem vida, se rebelassem fingindo ser o que não são, exigindo da vida não menos do que merecem, como as paixões calorosas e faiscantes que se refestelam na enxurrada dos prazeres juvenis.

Como mentes que não se apiedam, vivem sobre contendas, não se abstendo a mórbida homeostase do dia a dia.

Refocilando-se na lama do sonho as pupilas exasperadas pelo acordar repentino, o menino retoma seu rogar, senta a doçura do pedir sobre os joelhos dobrados e acha-a manhosa, como que se fosse direito irrevogável exigir forças dobradas ao dono do mundo.

Vencendo o sono com todo seu apetite, o menino implora a Deus, como filho pedindo brinquedo ao pai, uma minúscula partícula na milionésima parte da divisão de um grão de areia de sua sabedoria, para que os dias se tornem mais doces, as amarguras mais brandas e os abraços mais duradouros.

De gole em gole, para que a sabedoria não se torne mais um entre tantos sentimentos que perderam as pernas e agora andam de muletas. Lá no céu após estrondosa gargalhada, Deus se compadece, ardendo como mil relâmpagos e cede dia a dia, de partícula em partícula a divisão milionária da sabedoria.

Andre Santana
Enviado por Andre Santana em 13/07/2014
Reeditado em 15/07/2014
Código do texto: T4880561
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.