Cantinho Infantil...

A escola em que iniciei a minha vida de estudante, na cidade do Rio Grande, chamava-se Escola Particular Cantinho Infantil e começou modestamente em uma pequena sala da Biblioteca Pública Riograndense, situada na Rua General Osório,vizinhando com o Mercado Público, a Prefeitura Municipal, a Praça Xavier Ferreira e de costas para o cais do Porto velho. Fui um dos primeiros alunos da Instituição,começando a pré-escola, naquela época chamado de "Jardim de Infância",matriculado que fui pelos pais, creio que aos três ou quatro anos de idade. Infelizmente, não recordo da jardineira, responsável pelos meus primeiros passos como estudante. As minhas recordações daqueles tempos, são curiosamente, olfativas e ligadas ao lanche que levava de casa, cuidadosamente acondicionado pela minha mãe em uma "merendeira" plástica que era levada suspensa ao ombro. Os alunos sentavam-se em pequenas mesas e cadeiras coloridas e ali eram efetuadas as tarefas escolares. Comparecíamos as aulas sempre uniformizados, pois a Escola, desde a sua fundação, adotou este sistema. Mais tarde, quando o número de alunos aumentou, graças ao excelente ensino ministrado, cada série escolar era identificada por uma cor específica na gravata e nas meias do uniforme: os alunos do Jardim usavam a cor amarela, a da primeira série era vermelha, da segunda verde, da terceira marrom e da quarta série era azul. Complementavam o uniforme a camisa branca com mangas longas, e a calça curta de cor escura.Cursei todo o meu ensino primário,como eram chamadas os primeiros anos escolares nesta escola. Depois de algum tempo funcionando na Biblioteca Pública, a escola mudou-se para instalações maiores, na Rua Marechal Floriano, entre a 24 de Maio e Pinto Lima. Nesta antiga residência familiar, onde o acesso era realizado por uma escadaria de mármore branco, que aos meus olhos de menino mostrava-se majestosa, chegava-se a Secretaria da Escola, onde a nossa Diretora, a Dona Hebe Marsiglia e a Secretária, Professora Iolanda Edon, dirigiam as atividades do Educandário e seguindo por corredor central, ao longo do qual situavam-se as salas de aula, a cantina e o páteo da escola,onde os períodos de "recreio" da gurizada aconteciam... A disciplina escolar era bastante rígida, pois tanto a entrada quanto a saída das salas de aula era feita por uma fila de alunos e alunas,organizados pelos professores por estatura e sexo, saindo primeiro as meninas e após, os meninos. Os lugares na sala de aula eram determinados pelas mestras, com as meninas sentadas nas carteiras da frente e os meninos na parte de trás da sala. As salas eram de dimensões modestas, com um número limitado de carteiras, talvez quinze ou vinte, havendo uma pequena escrivaninha e cadeira para a professora em um canto, um quadro negro enorme, com giz e apagador,com um crucifixo situado logo acima . Pelas paredes,eram fixados alguns trabalhos dos alunos, gravuras, desenhos,pinturas...O início e o fim das aulas, bem como o intervalo ou a troca de professores, era anunciado pelo soar de um sino,badalado com firmeza pela Diretora. Tanto a Diretora como a Secretária da escola eram pessoas religiosas e deram orientação escolar e pedagógica neste sentido aos seus alunos. Ali fui catequizado, fiz a primeira comunhão e crismado na Catedral de São Pedro,localizada nas proximidades. Lembro que tive colegas que, por pertencerem a outras religiões,não participavam destes eventos, que eram frequentes, embora não existisse, por parte da direção ou dos professores, qualquer tipo de preconceito em relação a isto. Além das disciplinas lecionadas normalmente, a escola me propiciou os primeiros contatos com a língua inglesa,com as artes plásticas e com os esportes. Ali despertei para a música e a literatura adquirindo o hábito da leitura, bendito hábito que nunca mais abandonei. No Cantinho, também comecei o meu difícil relacionamento com a matemática e as ciências exatas, que persiste teimosamente até os dias de hoje, e que me metia em sérios apuros quando recebia o boletim escolar,o qual deveria ser assinado pelos pais todo o fim de mês, pois as notas nem sempre eram boas.... Aluno apenas regular que fui, não me salientei muito, apesar dos meus esforços e da dedicação das mestras,mas lembro bem de colegas que eram brilhantes em todas as disciplinas,tendo alguns destes, se destacado em vários setores profissionais e comunitários por este Brasil afora. Fui um discípulo comportado, tímido, introvertido ,muito quieto e pouco participativo em sala de aula.... A Dona Hebe era uma pessoa muito severa,ou ao menos me parecia ser. Recordo que ficava aterrorizado ao ser chamado a sala da Diretoria, após participar de alguma travessura infantil dentro dos domínios da escola. Na cerimonia de formatura, ao final de cada ano letivo, eram ofertadas aos alunos mais assíduos, pequenas medalhas em forma de sino. Aqueles que se destacavam pelo desempenho escolar,eram premiados com medalhas douradas, prateadas ou cor de bronze,conforme a classificação que obtinham. Com o passar dos anos, descobri a enormidade do coração daquela pessoa,que tive o prazer de reencontrar, já como estudante de Pós Graduação. Idosa e já afastada da Escola que criou,mas com a memória e a percepção intactas,conversamos e lembramos com carinho de colegas, professores e situações lá vivenciadas. Ao sair, quando dela me despedi, a Dona Hebe repetiu o gesto de acariciar os meus cabelos, tal como sempre fazia quando eu era seu aluno, menino pequeno... No Cantinho Infantil,cursei todo o ensino fundamental,lá sendo preparado para posteriormente ser aprovado no temido "exame de admissão", porta de entrada para outra etapa da vida escolar, quando ingressei no Colégio Estadual Lemos Jr., conceituada escola pública da cidade, de onde saí mais tarde para a Universidade,após a conclusão do segundo grau "a pau e corda". A Dona Hebe, a sua escola e as maravilhosas mestras que lá ensinavam, me apresentaram valores, normas de conduta e comportamentos preciosos,por mim valorizados carinhosamente até hoje. Tenho certeza que o Grande Arquiteto (desculpa, Dona Hebe, esqueci que a senhora não prezava muito os maçons) e a comunidade da histórica Rio Grande de São Pedro reconheceram os seus méritos, o amor integral a tarefa de educar e a dedicação ao Cantinho Infantil e aos seus alunos. A semente que a dona Hebe plantou nos idos de cinquenta do século passado frutificou e muito. O "Cantinho", hoje chamado de "Escola Hebe Marsiglia" em justa homenagem a sua fundadora, agora localiza-se em antigo e histórico casarão na Rua Duque de Caxias e continua vivo, pujante! Com certeza, ainda vai formar lá na minha Rio Grande de São Pedro muitas gerações de cidadãos... Saudades do meu Cantinho Infantil... Saudades da Dona Hebe, da Professora Iolanda, das mestras e colegas.... Saudades...

Luiz Carlos Rivera -Livramento - julho/ 2014