UM GRITO DE SOCORRO

Madrugada de sábado estava com insônia e mudando os canais da televisão, descobri um filme que estava passando, que deveria ser de assistência obrigatória para pais, filhos, educadores, alunos. É um filme holandês produzido em 2013, chamado Grito de Socorro. Pena passar em um horário que pouquíssimas pessoas estão assistindo.

O filme trata sobre a vida de um adolescente, que por ser gordo sofre bullying de alguns colegas do colégio.

O principal tema do filme, além do bullying, é a omissão de pais, professores e de outros alunos.

Durante todo o filme o estudante sofre torturas psicológicas e físicas. Os alunos que não participam, divertem-se com as “brincadeiras”, fingem que nada grave está acontecendo, os professores são omissos, os pais resistem em reclamar na escola para que o filho não seja visto como um bobo, um fraco.

O único amigo do garoto ainda tenta, de maneira tímida, fazer com que os outros parem de importunar o adolescente, mas também pouco faz e por uma infeliz coincidência, na noite que a vitima sofria mais uma agressão, ele ignora um pedido de socorro do mesmo e um final trágico se desenrola no filme.

Só depois disso as pessoas se dão conta da omissão de cada um, da sensação de culpa por não ter feito algo, descobrem o talentoso pianista por trás daquele garoto gorducho, tímido e sem graça.

Todo mundo que já foi estudante, como dizemos aqui no Ceará já “arengou” com alguém ou foi “arengado” por outros. Isto até nos fortalecia e por muitas vezes criávamos depois laços de amizades com quem a gente “arengava” ou por quem “arengava” conosco. Mas todos devem estar atentos com a fronteira do que é brincadeira e do que é humilhação.

Além do filme em si, uma parte em especial me chamou a atenção, quando o amigo do garoto que sofre as agressões, compõe e canta uma música chamada “Fingir que não ver”.

Depois que o filme terminou fiquei pensando, quantas vezes fingimos que não vemos algo, quantas vezes nos omitimos de agir, seja por medo, comodismo. Se é com os outros, porque se incomodar, ter trabalho.

Quantas vezes fingimos não ver erros e deixamos de corrigir filhos, amigos, outras pessoas, com receio de sermos vistos como chatos, intrometidos, inconvenientes.

Quantas vezes fingimos não ver que aquela vaga de carro é destinada a idosos/deficientes físicos e paramos o carro ali, por pura comodidade.

Quantas vezes fingimos não ver aquele velho senhor em pé dentro de um ônibus, enquanto estamos confortavelmente sentados ou uma senhora idosa querendo atravessar uma rua.

Quantas vezes fingimos não ver o quanto aquele político foi desonesto, cometeu danos a sociedade e mesmo assim, por algum motivo que nos é útil, votamos nele.

Quantas vezes fingimos não ver aquela pessoa na rua passando uma dificuldade, passando mal.

Quantas vezes fingimos não ver aquele “honesto” cidadão comendo algo sem pagar dentro de um supermercado e nada fazemos com aquele pensamento que o dono do mercado já é rico e não vai fazer falta a ele.

Quantas vezes fingimos não ver aquela pessoa querendo atravessar a faixa de pedestre.

Quantas vezes fingimos não ver aquele carro dando seta e querendo entrar na faixa que estamos.

Quantas vezes fingimos não ver que alguém está sendo assaltado, agredido.

Acho que quase todos nós temos arrependimento de algo que “fingimos não ter visto” e nos omitimos de não ter feito algo, eu tenho. E mesmo já tendo passado quase vinte anos, ainda penso se a minha omissão prejudicou ou não alguém.

Agora que vivemos a geração do celular, ficou mais fácil fingir não ver as coisas, afinal, basta baixar a cabeça fazer de conta que estamos vendo uma mensagem instantânea, que estamos numa ligação ou simplesmente colocarmos o fone no ouvido e continuar não vendo nada, mas isso outro assunto.

Sei que não vou resolver todos os problemas do mundo, nem mesmo os problemas da do quarteirão onde moro, mas se eu parar de fingir que não vejo e conseguir resolver ao menos um problema, vou deixar para alguém um mundo um pouco melhor para ser visto