Gleidsom

Quando o vi pela primeira vez, logo percebi que ele não tinha infância. E quando digo que não tinha, na verdade quero dizer que nunca tivera.

Aquela rua fazia parte do meu trajeto de todos os dias e nas tardes de verão havia inúmeras crianças brincando de bola, correndo e pulando.

Mas debruçado no muro pelo lado de dentro com uma alegria disfarçada no rosto e trepado sobre um monte de tijolos, Gleidsom torcia, gritava e se agitava.

Mas ninguém lhe dava bola, ninguém sequer o ouvia, quem sabe nem lhe via?

Era raro haver algum dia em que eu não via aquele garoto empoleirado naquele muro. Mas numa sexta-feira qualquer havia um pesar imenso no rosto daquele garotinho, mais do que qualquer dos dias em que o via ali. Parece que tinha perdido a razão de alguma coisa. Estava debruçado no muro e com o queixo apoiado sobre os braços, os olhos fundos e sem alma. Parei um pouco para observá-lo, como faz parte dos meus hábitos, observar sem pudor e discretamente. Aproximei-me e por alguns segundos vi que aquela carinha estava desapontada com a vida que tinha. Tão novo tão imaturo e ingênuo.

Os olhos, eles me chamaram a indignação. Ao fato de estarem roxos e inchados. Um hematoma na bochecha com alguns esfolados.

Fiquei extremamente incomodado com àquilo que observava e perguntei-lhe:

— Ei garoto, o que houve no seu olho?

Mas estava tão desanimado que nada me respondia.

— Como você se chama?

Tentei me aproximar de outra forma.

— Gleidsom.

Quando falou nem olhou nos meus olhos.

Foi então que um dos garotos que veio com uma bola debaixo do braço e me disse:

— O pai dele bateu nele!

— O que?! Bateu e espancou o pobrezinho! Mas por que bateu nele, você sabe?

— Ah, é que o pai e a mãe dele não deixa ele brincar na rua. Aí hoje de manhã ele pulou o muro e veio e brincou...

O menino ainda me disse que ele era filho único e que achava que os pais não gostavam dele.

Fiquei imaginando a grande felicidade dele correndo solto pela rua, chutando a bola vivendo uma criança. A rua é perigosa às vezes, mas faltava-lhe amor, carinho...

Aquela situação continuou mexendo comigo por várias semanas. Por que faziam aquilo com um garotinho? Era deprimido, contido e estava como um bicho encarcerado.

Mas aquele caso ainda me intrigava. Em que estavam transformando aquele menininho?

Ele fugiu de novo e apanhou de novo. Contavam-me seus coleguinhas já inconformados e solidarizando comigo.

— A mãe dele gritou que ele estava virando um bandido. Que ele tinha de tudo e não precisava vir para rua. Aí ela falava assim "você tem seus brinquedos e video-game novo que seu pai te deu..."

Durante algumas semanas eu não mais o tinha visto no muro.

Mas certo dia quando voltava do trabalho vi uma movimentação grande de gente na rua em frente à casa dele.

Então pesarosamente um coleguinha seu veio chorando muito em soluços quase sem conseguir falar, sentindo a culpa que não tinha. Gleidsom disse a ele que tinha visto um filme em que um menino tinha descoberto uma forma de parar de sofrer...

Geovani Silva
Enviado por Geovani Silva em 22/07/2014
Código do texto: T4891345
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.