Morte e vida

A vida frágil no miolo do caos desabrocha suas pétalas dentro de um espaço e surge entre os destroços do que eram restos humanos.

Contra a noção de intelectual não vou lhe falar de uma vida que em seu sentido está fadada se matando lentamente todo dia, quando fadada de si mesmo vive e dorme uma grande mentira também.

A transição morte e vida me é dolorosa. Nela a transpiração exala ainda o cheiro de morte. O meu momento criador me revela e me renova. A revelação vem de forma hesitante. A exposição me assusta dar-me, a saber, que me renova em fragmentos abstratos. Adejando pela realização do meu ser. Sim, o meu círculo me limita aos poucos. Ou eu que tenho se me limitado? Das cinzas as ideias fragmentárias querendo tornar-se grandes. Todas fazem parte de um grande pedaço. Pedaço este que tento em simbiose reordená-lo proporcionalmente em mim para que eu não me desaperceba do imenso vazio que me cerca. Entende-lo é difícil, pois não posso juntar suas quatro pontas para dar um nó como se fosse um lençol velho.

Se mergulho neste vazio beiro a loucura. Vai além de todas as minhas proposições. Mas eu as devoro vivas. Eu as devoro como se fossem livros. Dão-me a impressão de que o vazio não está tão além de mim. Apesar de que este imenso vazio ser mais dentro de mim mesmo, não posso achar um meio de vencê-lo, que ele se estende além. Do fato de formar um elo ate o externo de mim fazemos parte um do outro. Estamos conectados, mas não através do tato, mas sim pelas sensações intangíveis que se estende após um círculo abstrato. Quando o sinto em mim, acho que posso elucidá-lo por um pouco de conhecimento que ha em mim. Após absorto em releituras de obras fictícias vejo-o simplório, como parece fácil discerni-lo.

Este mundo que me cerca não fica além do meu criterioso desejo de desvendá-lo. Desvendo-o até, mas nada mais do que uma linha tênue em que me vejo sobre tal e que tão rápido se desmancha pelas difusões da própria grandeza de si mesmo. Oferece-me um articuloso entrelaçamento de finíssimos ligamentos que existe no elo entre os mitos e os fatos. Mas quando o anseio lá fora, não entendo nada além do que um profícuo campo extenso.

Este desdobramento estendido pelas camadas toma uma extensão universal até. Penso nele, mundo, como se fizesse parte da minha vida como um paralelismo que há bem em mim como além de mim mesmo. Desconhecido para muitos. Pois as pessoas em geral não veem nada além do que o que lhes parece bem óbvio. Vivem o ciclo natural da vida quando a vida pode ser muito mais do que simplesmente viver. Tem suas atitudes dentro de seus olhares vazios e dissimulados quando pensam que não podem ser vistas no gesto mais sutil de um contexto delicado. Mas, isto diante de olhos treinados pode ser um livro aberto.

Vida em mim surge no momento em que me engreno em algo. Aquilo que me prende e passo a respirar. Respiro um emaranhado de fios de rede e passo a tecer a própria vida em mim, assim vivo e respiro. Vida o que é senão quando se está no seu maior momento criador no mais belo ápice da criação? A grandeza da beleza. Pois assim sou. A beleza do ato de estar em atividade cerebral. É que na inatividade não vivo, acho-me morto em vida, pois a morte é o lado escuro da própria vida em seu estado inativo. Viver morto é viver a vida? Só o ato de respirar me basta? Não estaria eu morto-vivo respirando?

Proponho em mim mesmo no estado inativo que é a morte uma respiração lenta para me recompor para a vida. Um fôlego de vida, um pequeno assopro nas narinas e vivo esta espécie de metamorfose morte e vida. Quem me dará o sopro de vida quando vivo em morte? Deus: que tem vida no pleno sentido em si mesmo. Não lhe cabe a inatividade. Deus existe. Existo eu? Como sei que existo? Se é que penso no meu existir. Sinto minha respiração pensante. Respirar e existir, logo no momento não pensante estou morto. Penso e sou. Revelo-me aqui dentro o que me faz crescer. O ser em mim.

O que posso escrever? Meu mais puro meio de comunicação é a palavra. Engastar a palavra ao meu ser. Ser eu como sou. O que sou eu quando não estou sendo? Deixo-me de conhecer, o que quero ser que seja aqui dentro. Dentro do peito arfando por alguma escada. Desejo esta escada, pois a cada degrau me revelo para mim mesmo e para o mundo o que sou, o que quero ser. Busco a cada degrau que subo algo novo que surja dentro de mim ou não. Cada passo nela me encontro dentro do meu ser. Ser em mim. A firmação da palavra em mim. Não para os outros. Basta que eu próprio me compreenda. Eu me entendo. Entender que nasci para ser o que sou. O sou é o que quero para mim. Conceber- me através com o 'eu' torna-me mais egocêntrico?

Sou eu em mim mesmo o tempo todo, mas que às vezes passa por despercebido, como algo que procuro secretamente muitas vezes de olhos vendados. Pois não tenho olhos para desvendar o meu eu mais tocante. Se é que me toca simplesmente pelo fato por achar isto um não fato. Quando o que é em mim é fato? Então sinto grande vontade de me encontrar, mas que preço hei de pagar a isto tudo? Se é que tem um preço tudo que se encontra peculiarmente em mim, pode vir à tona por um preço? Como me resgatar? Se em mim sou eu quando não estou sendo, ainda sou eu em mim? Se não for, onde me encontro então? Pode-se dizer que eu estou perdido dentro do meu próprio ser? Estaria neste momento único de desespero e tudo estivesse fora de lugar. Chamo de caos interior.

Esta desordem em que tudo se espalha como cacos grandes e pequenos. Nos grandes é que me vejo refletido alguma parte de mim. Baços ou não. Os pequenos me assustam. São os que realmente fazem diferença enquanto os procuro entre o claro e o escuro nestes lampejos de luz em meu labirinto destaca-nos ora aqui ora lá.

Quando lá fora um compasso lento e cronometrado pela sutileza e leveza do vento sobre as folhas de árvores altas deixam escapar em suas frestas pequenos filetes de luz. Mal posso vê-los. Sem vê-los posso senti-los. Um sentimento desconhecido até. Um desafio, claro. Minha construção de mim se da por aí. Vou montando o ser em mim desses cacos estilhaçados pelo chão. Estes pequenos pedaços estão espalhados por toda parte. Pelo menos sei que estão la. É uma procura difícil. Mas como procurar o que procuro? Deixando-me aberto no momento da procura?

Não devo me fechar. Fechar a mente anuvia o que procuro. Tenho de estar aberto a estes estímulos. Neste porão onde guardo todas aquelas coisas que não me servem no momento, essas coisas que sempre esperamos usá-las um dia. No momento da minha procura há uma escuridão que não deixa que se exiba a forma das coisas que ficam mal definidas pelos cantos. As lembranças que me passam fugidias pela mente não se fixam. Os estímulos com luzes que piscam que em forma de flash vem e vão iluminando o que de mais recente tive certo contato. Tentando estar aberto a estes estímulos me sinto exposto como estivesse meio nu e sentindo o frio e úmido do porão. Num piscar de olhos já me vejo e me sinto compenetrado, absorto. Por que entro la sem levar uma lâmpada quando sei que sempre está escuro, ou não me agasalho porque também sei que é úmido e tem cheiro de mofo?

Acho que quando entro para procurar não sei bem o quê estou indo procurar, a palavra me foge, a coisa me escapa. Por onde ela me escapa se não há janelas nem portas neste labirinto? Como num sonho não sei por onde começa nem onde termina, são que me sinto dentro e cada vez mais dentro. Na verdade eu mesmo que as não consigo ver nem mesmo pegar. Não posso tocá-las, quando tento num esforço quase inútil as minhas mãos esvoaçam no vão a minha frente e apenas sinto que faço. A obscuridade me é continua e ainda mais me impede de dar o próximo passo. Fico imóvel, paralisado sem saber onde vou dar meu próximo passo. Como isso se chama? Como posso dar nome a algo que não sei bem o quê? Ate eu achar o que realmente estou à procura temo o desconhecido.

Então se chama medo. Talvez medo de não achar, se achar a coisa certa, que pelo menos não precise de nenhum grande entendido para me dizer que é coisa certa. Aferir-me se a verdade completa não me convém, simplesmente é uma questão de momento de pensamento. Não é nem raciocínio lógico, mas puramente sentimento e emoção. Coisa de momento que me toma e não é, ou talvez verdade para ninguém. Mas essa verdade que me toma também dói, ou me eleva e para perscrutar o fio que adentra o intimo do ser do mundo. Quando me elevo, me aprofundo para aprofundar mais ate o limiar, onde a vista pode alcançar e olhar tudo claro isento de tudo.

Dir-te-ei agora que há outro patamar deste meu porão, é um lugar mais recôndito e escuro que da origem a estas vagas coisas que normalmente não se pensa e que você sem saber sai de la com aquela agulha perdida, mas quando desisti de achá-la ela lhe está bem a frente. Às vezes a ciência que temos do mundo nos é limitada pelo peso que deixamos que outras pessoas exerçam sobre nós.

Estou esperando. Estou tentando. Estou tentando entender e procurando. Estou de peito aberto, um ato de coragem. Estou conectado a vida; aos sussurros dela. Mas que às vezes vem aos gritos e estes eu descarto.

A minha conexão se da pelo gesto ao pé do ouvido. A palavra não dita, o beijo negado, o sorriso tímido do ousado. Sinto-me dentro de um círculo. Sufocando-me. Quase sem ar é onde passo meu tempo livre e livre. Mas preso pelo meu próprio círculo interior. Meu melhor está se esvaindo e o que mais sei fazer se dissolvendo no próprio solvente.

Recomeço. Recomeço, mas tudo dentro do mesmo círculo que desenho com meu próprio compasso. Traço a sua circunferência em cima da mesma de ontem só para não impor uma nova mudança no meu interior, delimitando a minha vocação, a minha ambição pelo novo. Isto se chama medo? ‘Medo de encontrar o que não quero nem imaginar? Medo de fechar os olhos e encontrar tudo no mesmo lugar? ’ Desenho um projeto complexo e quando sei o seu resultado e não mais me interessa o abandono. Retomo-o?

Medo. Acho. Então.

Procuro outros desafios. Dedico-me a inúmeras coisas ao mesmo tempo, mas não tenho tempo para todas e as deixo incompletas. Na minha criatividade decorativa permeiam as linhas retas com suas definições retangulares. Mas me encantam as belezas curvilíneas que compõe discretamente o ponto principal.

Que mais escrever? Me expresso, externo-me. Procuro ter uma mentalidade artística, penso intelectualmente a escrita, os contos e a ficção, as fantasias. Para quem conto? Quem entende um conto? Ou quem o procura? Alguém que observa o cotidiano simples dos atos, gestos, gestualidades que descrevem simbolicamente a profundeza da alma? Que me deleito entrego-me a isto de coração. Somente. Canso-me, a arte não é para todos, a escrita não é para todos. Mas e daí? Não altero em nada. Só desabafo e não altera em nada.

Geovani Silva
Enviado por Geovani Silva em 23/07/2014
Código do texto: T4893204
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