A transformação (baseado na obra de Kafka).

Pois o Claudião andava se comportando de modo meio diferente... Desde que voltara do Rio de Janeiro, os amigos notaram que ele não era mais o mesmo... Voltou falando diferente, carregando nos “erres”, parecia uma chaleira chiando! A namorada achou pra lá de esquisito o jeito novo de falar do Claudião e andava meio arredia, insistindo em saber o que tinha acontecido de estranho por lá. Sem saber o que dizer a respeito da inusitada transformação, o Claudião andava se esquivando dos amigos, mas na verdade achava-se um pouco estranho desde que fora mandado pela firma para algumas tarefas na filial do Rio de Janeiro e ficara por lá uns dois meses. Ao voltar, perdera a vontade de tomar o chimarrão matinal, hábito que cultivava desde guri e andava preferindo a caipirinha ou a cerveja. A bombacha, aquela que botava todos os dias ao chegar do trabalho, foi substituída por uma bermuda de surfista e até do churrasco andava meio enjoado, preferindo comer sanduíches naturais parecidos com aqueles que vendem lá pela beira da praia de Copacabana ou algo da culinária "macrô".... Surpreendeu aos amigos quando chegou na piscina do clube com uma “sunga” que comprou em uma loja carioca, muito parecida com aquela que o Gabeira usou á umas três ou quatro décadas atrás e que escandalizou o país... A turma começou á comentar que alguma coisa muito estranha e diferente tinha acontecido com ele, pois o homem tinha mudado, era outro agora. O que aconteceu por lá? Porque a metamorfose? Será que o sujeito “aveadou” lá no Rio? Quem sabe aquele calorão tivesse afetado a cuca do gajo... Até o gosto musical tinha mudado e na opinião dos amigos, para pior: agora se declarava inimigo da gaita e fã incondicional do finado Vinicius de Morais e andava por aí declamando o poetinha á meia-voz e comprando CDs do Zeca Pagodinho. Além disso, começou a freqüentar pagodes e ensaios de escola de samba no "findi", que é como se chama o fim-de-semana por estas bandas. O Claudião andava mesmo muito diferente... Tinha dificuldades para dormir, e quando conseguia, padecia de terríveis pesadelos, onde se via fardado com a camisa do mengão, e pior: torcendo contra o Colorado e chamando todo mundo de “meu peixe”! Além disso, andava tendo pensamentos de se mudar para a praia, mas não estas praias vagabundas aqui do sul, onde tem sempre o minuano soprando forte é quase sempre é frio. Praia de verdade, só no Rio, onde se aproveita o ano inteiro, pois sempre é verão. E as mulheres de tanga... Ahhh!!! Aquilo sim é que é vida... Bem diferente daqui, onde o pessoal só quer escutar milongas, dançar no CTG, desfilar de cavalo no Vinte de Setembro e andar de bombacha e botas! E dá-lhe gaita... Nem o ultimato da namorada e os argumentos dos amigos o fizeram mudar de opinião e de comportamento. Para ele, ser gaúcho tinha virado o fim da picada! Civilizados eram os cariocas e pronto. Aquele pessoal é que sabia viver bem... Os amigos acharam que o Claudião tinha enlouquecido, mas a namorada tinha opinião diferente: com certeza, tinha mulher no meio daquela história... A coisa toda foi aumentando, e ao cabo de alguns meses, o Claudião virou um carioca da gema, autêntico. Quando anunciou que estava se mudando para o Rio de Janeiro em definitivo e que estava pensando até em trabalhar nas novelas da Globo, os amigos decidiram dar um basta naquilo! Onde é que se viu tamanha heresia? Virar carioca e fazer novelas? Pior que isto, só virando gremista! Foi organizada uma operação resgate de emergência e o Claudião foi parar no Psiquiatra, que prontamente arrumou uma internação para o sujeito, com um diagnóstico de nome esquisito e muito estranho. Depois de meses internado em uma elegante clínica de Porto Alegre e com visitas proibidas, a turma ficou sabendo que o homem tinha ficado curado e estava recuperando a sua verdadeira identidade gauchesca. Até chimarrão já anda tomando e agora só usa bombachas. Já foi visto lá na Redenção de alpargatas e carregando uma gaita á tiracolo... A tal cura parece que não foi completa, pois parece que anda falando em abrir um “atelier” de alta moda gauchesca para colocar no mercado bombachas estilizadas, vestidos de prenda, alpargatas bordadas, botas de salto alto e moda neo-gaúcha em geral... A namorada diz que de vez em quando o Claudião surta e teima que quer desfilar na Sapucaí no carnaval do ano que vem na ala das baianas da Mangueira, mas parece que anda melhorando, pois abandonou a sunga e anda usando as velhas e tradicionais cuecas samba-canção. O único problema é que se recusa terminantemente a tirar os brincos e a tatuagem que tem na bunda com a cara do Romário, feita por um artista da Galeria Alaska ...