A PROSTITUTA DAS LETRAS

Quando jovem e cobiçada, fora parar nas mãos de um sujeito estranho. Com ele e por sua causa entrara para o mundo do crime. Mas antes de ser reprimido por leva-la por este caminho, ele recebeu aplausos e aprovação. Separaram-se logo, ele arranjou uma mais nova. O sangue pode ter marcado o inicio de sua glória, e embora ela não tenha se arrependido, também não se apegou, de tal forma que não vingou-se de maneira alguma daquele primeiro que abandonara; talvez por que sentisse que tantos outros também iriam fazer o mesmo e que seria inútil e horrível uma existência apegada ao desejo de vingança, ou talvez – e isso é mais provável - simplesmente não sentia nada.

O tempo passou e dele ela falou muito, tanto metafisicamente quanto cientificamente. Falou do mundo coisas lindas e também que não valia mais a pena viver, se despedindo dele, para em seguida mostrar ao mesmo mundo palavras apaixonadas novamente. Viajou um pouco, mas pelo que dizia, parecia ter viajado muito mais. Falava com autoridade sobre locais e culturas que nunca tinha conhecido. Na política fora de esquerda e de direita antes mesmo de existir um e outro lado. Dizem que andou também com os nazistas numa época, mas nunca se constrangeu por isso e, apesar de depois atacar veementemente essa ideologia, nunca se deu o trabalho de justificar seu passado. Talvez por nunca ter considerado realmente o passado de sua própria experiência, mas sim o passado dos outros.

Fora tocada por homens, mulheres e até mesmo crianças; que, com seus dedos desajeitados, brincavam de ser gente grande. Mas ninguém lhe dirigiu uma única palavra de censura por isso. Respeito? Medo? Nada disso. O tempo continuou passando, bem como o seu discurso. Alguns podem dizer que é uma dádiva essa coisa de não se comprometer com discurso algum; outros, que é uma maldição. Ela certa madrugada falou uma coisa, depois outra. De minha parte digo que toda dádiva é uma maldição. Mas eu sou um traidor, vi sua queda e não fiz nada; por isso, minha opinião não é importante neste texto. Em suma, este texto não deveria ter relevância nenhuma ao falar dela por caminhos traiçoeiros.

Esteve um tempo abandonada na chuva, no vento e no frio. Não creio que se importasse, pois nunca reclamou de nada; mas, pensando bem, seu silêncio pode ter sido um sinal de protesto. Um protesto calado daquilo que jamais deveria calar. A última vez que a vi, estava em posse – talvez a única posse – de um mendigo louco, trabalhando no que talvez fossem suas melhores palavras, mas estas no vento se perdiam, pois nela faltava tinta e papel.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 31/07/2014
Reeditado em 31/07/2014
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