Pilates VI

Estava na agência para receber o benefício. Todo quinto dia útil do mês, é minha rotina. Passei pelo brete de vidro e fui direto pegar minha senha. Logo estava na fila, bichão, larguei o andador. Sem demora chegou uma menina, dessas com a camiseta "posso ajudar". Me falou que eu podia ir direto ao caixa para sacar o benefício. Disse-lhe, que não queria privilégio, poderia esperar minha vez. Insistiu. Nessa discussão veio outra, que pela postura, creditei ser a superiora responsável. Falou, impositiva:

- Senhor, a partir dos sessenta o atendimento é preferencial.

- Sou da classe de sessenta.

- Seu benefício é... invalidez?

Olhou-me de cima abaixo como faz uma mulher, escaneando todas as informações que meu corpo pudesse fornecer tal fosse uma embalagem longa vida. Senti no meu interior. Ela queria saber mesmo era minha data de validade. Meu pavio incandesceu, mas do alto dos meus cinquenta e poucos respondi:

- Aposentadoria por tempo de serviço.

Franziu a testa, pedindo que a acompanhasse até sua mesa. Sentei e ouvi uma longa explicação sobre recadastramento e fraudes, quando para meu assombro, concluiu indagando:

- O Senhor pode provar que está vivo?

Foram-se meus butiás. Levantei as mãos aos céus é orei, com fé, em voz alta. Aquilo não estava acontecendo. Diante de meu desespero público fui reconhecido pela Alemã, que me confortou solidariamente. Levantei com a eloquente afirmação de que ia atrás de meus direitos.

O Procon não dava conta das minhas queixas. Fui na civil e fiz um B.O. Amparado, graças a Deus, pela alemã, que me acompanhou sem fazer um só ruído. Registrei minha ocorrência, e insisti para que a Ela se pronuncia-se a meu favor...continuava quieta. Insisti por mais duas vezes. Nisso o inspetor disse que a conhecia, que não exigisse um pronunciamento, pois ela era muda de nascença.

Minha autoestima evaporou, minhas pernas fraquejaram. Me apoiei na parede e assim como uma maionese, fui desandando e me esparramei no chão, como um monte de merda. Quatro meses juntos, uma vida, e nunca me falou que era muda. Aquilo foi uma apunhalada. Nunca senti tanto um golpe. Nenhum dos martírios, que passei nas sessões de Pilates, igualavam a dor que aquela "traição" estava a provocar.

Fui transportado para casa no camburão. Meu corpo mole não respondia ao menor comando. Juntou gente para especular em frente de minha casa. Passei dois dias desacordado e mais três convalescendo. Quando abro os olhos a primeira pessoa que vejo: a Alemã. Não arredou o pé do meu leito. Sentiu-se culpada. Nesse ínterim, enquanto eu dormia sob efeitos de drogas lícitas, foi na civil e encaminhou toda papelada que precisava para provar que eu estava vivo.

Os dias foram se estendendo e eu melhorando. Observava a Alemã, seus gestos e olhares. Aos poucos fui aprendendo sua linguagem. Hoje falamos até pelo espelho.

Para compensar toda a dedicação convidei-a para ir no GERVI, domingo. Um pé de valsa mas... um Uruguai pra água. Não sei se o valor do benefício do mês salda a conta da cerveja. Nunca vi, como bebe! Também, não fala!