A menina e sua resposta.

Era para ser apenas um dia de consultas médicas corridas para no seu final encontrar o retorno para a cidade natal.

Mas chego e já sou surpreendida pela notícia de que além dos pacientes da manhã, eu teria que dar a declaração de óbito para um dos meus primeiros pacientes de início de vida profissional.

Páro então um minuto, sentindo a necessidade de uns goles de energético para encarar o adeus ao sorridente seu José e tentar me manter impassível ao longo dos atendimentos do dia.

Quando conheci Seu José há um ano, ele na sabedoria de seus 91 anos de luta agradecia tudo que lhe fosse dado: desde a comida e a moradia até os dias a mais de vida, pois sabia que tinha muitos problemas de saúde mas só se incomodava quando não o deixavam comer farinha ou ver seu bode de estimação lá fora quando chovia.

"Ele nasceu bode, mas parece meu filho dotôra! Fica constipado se levar chuva."

Um dia lhe faltava o ar: era seu coração já fraco precisando de medicação de uso contínuo para o manter. Quando voltei na visita domiciliar seguinte ,seu José já respirava sem dificuldades desde que não reinasse e com um grande alegria me agradeceu por eu ter o devolvido seu respirar. Algo que fazemos tão normalmente que nem nos damos conta de valorizar. Lembro que com um sorriso tímido quem ficou sem ar foi eu, pois existe alegria mais verdadeira do que você poder usar o seu conhecimento para trocar uma angústia por um sorriso?

Quando acelerou a perda de peso ele já não mais saía da cama, mas sempre fazia questão de estar apresentável e com um sorriso no rosto. Resistia o possível suas dores para não preocupar as filhas, mas sua clínica era inconfundível.

Até em seu adeus, Seu José quis ensinar.

Morreu dormindo e com um sorriso no rosto, parecendo dizer que nem todo fim precisa ser triste.

Fiz o que precisava ser feito e apesar de já ter dado muitas declarações de óbito, nunca fica mais fácil a hora de oferecer apoio aos familiares.

Detesto aquelas frases clichês, então sempre falo no que eu acredito: em Deus, no tempo e no meu abraço sincero.

Porque tudo passa, mas o amor e as lembranças sempre serão eternas.

Ao fim do dia, ainda pensava se poderia ter feito algo mais por seu José...mas a demanda enorme de pacientes, impossibilitava muitas visitas por mês, apesar dos ACS (agentes comunitários de saúde) sempre trazerem atualizações dos acamados.

E enquanto pensava na morte naquela tarde, pela porta do meu consultório entrou mais uma paciente, pois a vida costumeiramente exige que se deixe o sanar das feridas para depois.

Quão surpresa fiquei quando a paciente me presenteou com a mimosidade de uma anjinha em agradecimento ao êxito do tratamento de seu neto. " Eu amo a senhora, Dra! de verdade! Essa anjinha é a sra zelando a saúde de toda a nossa cidade. Esse presente é simples mas é de coração!" Ela me disse com os olhos querendo chorar e me fazer chorar.

Quando eu era pequena, observava os adultos achando que eles tinham a resposta do porquê estarmos vivos, apesar de ver com curiosidade e apreciar todas as formas de vida.

Cada um respondia vagamente e de acordo com suas vivências e nunca fiquei satisfeita.

Hoje um José morreu e outro renasceu - e a menina dentro de mim recebeu sua resposta por Dona Maria Aparecida: o sentido da vida é amar e ser amada.

A menina virou-se sorridente para sua mulher e piscou.

Pois elas entenderam que a felicidade não deve depender só de respostas, pois nem todos a detém.

Porque viver pode ser doloroso e nos levar a exaustão em muitos momentos, mas o amor faz valer a pena.