Caso da mussarela

Uma das principais características desse ser vivente é a timidez e a reserva. Desde sempre fui uma pessoa recolhida aos meus limites e evitando invadir espaços alheios. Sobretudo espaços emocionais. Ser inconveniente, falar o que não se deve... tudo isso soa a agressão barata, muitas vezes desrespeitosa para com o próximo.

Muitas vezes ouvi o meu pai dizer que “boca fechada não entra mosca”. Verdade cristalina e indiscutível.

Sempre querendo “não aparecer”, não dar motivos a comentários cínicos ou revestidos de algum tipo de malícia. As minhas roupas, colares, anéis e pulseiras são discretos. Detesto pensamentos e piadas maliciosos.

E numa dessas, me dei mal, ou quase isso.

Realizando trabalhos voluntários numa entidade respeitada no centro de São Paulo, no meu amado Bixiga, um senhor, que poderia ser meu avô naquela década de 80, resolveu se engraçar. Justo comigo? Peraí, eu detesto isso e jamais dei motivos.

Eu, recém- casada, nos meus vinte e poucos anos e o senhor prá lá de 70, aposentado, era representante comercial de uma distribuidora de laticínios. Sempre, na brincadeira, os colegas diziam prá ele:

- Hermes, você não se toca em trazer um naco de queijo prá nós prá hora do café?

E nada do Hermes se comover com o clamor dos oprimidos.

Eu, quieta no meu canto, jamais ousei brincar com aquele senhor, diríamos, já prá lá de Bagdá, ou de Falluja, ou de qualquer canto.

Um belo dia,olhando glamoroso prá essa cidadã que ora escreve, a plenos pulmões, declarou:

- Eu vou trazer mussarela para a Vera.

Olhei de soslaio, agradecendo , com um “obrigada, não precisa”.

Semanas depois, lá vem o Hermes com um naco de mais de dois quilos de uma preciosa mussarela para mim.

Sem sorrisos ou ar de satisfação, agradeci e, novamente, dizendo que não era necessária a delicadeza. Fui embora depois de finda a jornada.

Semana seguinte, lá estava o senhorzinho todo prosa e galante querendo saber se eu havia gostado do queijo.

-Hermes, mais uma vez eu quero lhe agradecer. E, novamente dizer que eu não merecia tamanha gentileza.

-Sim, mas você gostou?

-Gostei muito, Hermes. Mas quem gostou mais foi o meu marido. Ele simplesmente adorou. Eu fiz uma pizza para nós dois, só nós dois, à luz de velas, com todo o romantismo dos recém-casados,com aquela mussarela tão boa. Eu nunca vi o meu Nelson – o meu marido, aliás, o melhor do mundo, se regalando tanto. Para nós, uma noite inesquecível, especialíssima. A pizza, com aquela mussarela, acompanhada com o vinho licoroso de São Roque... Aproveitei e partilhei o queijo com a minha sogra e todos ficaram maravilhados pelo fato de, hoje em dia, um senhor da sua idade, tão grisalho, podendo ser meu avô, ainda ter disposição para trabalhar. E blá blá blá...

Eu não sei o porque, mas nunca mais ganhei uma fatia de queijo do Hermes.

P.S.: A minha sogra dizia: quer aparecer? Vá se fotografar.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 05/08/2014
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