Ordinárias Crônicas Adolescentes - Henrique

Henrique

I

É estranho me dar conta, de repente, de tudo o que aconteceu, assim que parei para pensar percebi o quão perigoso poderia ter sido essa minha aventura, mas em momento algum eu me arrependi e tive medo, só queria que tudo aquilo pudesse acontecer de novo, quem sabe, algum dia.

Bem, eu não sou muito do tipo de garoto que sai de casa nos fins de semana atrás de festas e tudo o mais, não porque eu não queira, não porque eu não tenha amigos, não porque me falte dinheiro, já fiz isso muitas vezes, sei lá, prefiro mil vezes ficar sentado lendo ou na frente do computador, observar o céu e as estrelas ouvindo as músicas que mais gosto, mas, como me costumam dizer de vez em quando, é revigorante quebrar alguns velhos hábitos uma vez ou outra.

Era uma quinta-feira nublada quando foi dado o primeiro passo dessa história, dia perfeito para ficar em casa a tarde vendo um bom filme, comendo pipoca e brigadeiro de colher, porém, infelizmente eu estava no cursinho assistindo a aula de química com aquele professor esquisito que usa Crocs e camiseta de bandas de rock, cujo nome desconheço. Nunca entendi química muito bem, e, modestamente, tenho facilidade para aprender qualquer tipo de matéria, mas com química isso não acontece, logo, estava eu viajando, pensando em mil coisas totalmente fora do contexto da aula a partir das palavras que o professor usava “... a ligação entre um átomo de carbono e ...” e eu pensava “... preciso fazer uma ligação pro dentista, pra marcar a próxima consulta...”

Perdido em meus pensamentos, sou chamado de volta à Terra pelo Matheus me dizendo que tinha ótimos planos para o fim de semana e que dessa vez eu tinha que topar. Como posso descrever o Matheus? Bem, ele é louco. Simples assim. Mas é meu melhor amigo. Ele é riquinho e filhinho de papai, mas gosta de passar a imagem contrária, apesar de só usar roupas de marca e gastar dinheiro à toa com nada que seja realmente necessário para o menino mais mimado de dezessete anos. Mas eu o amo, fazer o que, amizades acontecem. O plano era o seguinte: sair para beber numa praça da cidade e conhecer uns amigos seus dos quais ele vinha falando há meses. Primeiro eu disse que ia pensar, querendo dizer um não bem negativo, no entanto, Matheus partiu para o drama, convenhamos, ele é o melhor nisso.

- Mas ‘cê nunca aceita nada que eu te proponho, nem parece mais que a gente é amigo, ‘cê só me ignora e prefere ficar em casa sozinho e ainda reclama que eu faço novos amigos, mas é claro, meu melhor amigo só quer saber de ficar enfurnado em casa batendo punheta igual um tarado, ‘cê é um doente louco isso sim. Eu vou te esquecer de vez e quando ‘cê precisar de alguém pra te comprar aquela vodca de viadinho que ‘cê toma eu vou é bloquear a porra do teu número seu filho da puta.

Então, vale dizer que ele estava gritando ao fazer esse drama e toda a sala escutou e, para piorar, o professor ficou prestando atenção e ainda disse:

- Porra cara, larga de ser fresco e vai sair com o seu amigo e para de encher a porra do saco na minha aula.

- Tá. – Meio estupefato foi tudo que consegui dizer numa voz quase inaudível e rouca.

A excitação e felicidade do Matheus estavam realmente me irritando. Ele não parava de falar de como seus amigos eram legais e descolados, que eu deveria aprender a aproveitar a vida como eles, que eu os ia curtir muito e que seria uma das melhores saídas da minha vida. A cada vez que ele me falava sobre isso, eu me arrependia do quase inaudível som de concordância que eu tinha feito. Para minha sorte, assim que saímos da porta do cursinho, minha melhor amiga, Melissa, me esperava sentada num banco do outro lado da rua, suas pernas cruzadas com os pés para baixo, o material da sua escola sobre as coxas e tomando um sorvete expresso de baunilha, olhando para o nada. Percebi na cara do Matheus que ele achava aquela cena muito sexy, contudo, os dois meio que se detestam, porque, segundo eles, têm que dividir minha atenção e meu(minha) amiguinho(a) é chato(a) pra caralho.

Ao seu encontro nós dois abrimos um grande sorriso e nos abraçamos:

- Oi Rique! Saudade você! Ah, oi. – Disse ela fazendo cara de nojo fuzilando Matheus com os olhos.

- Oi Melissa, me dá sorvete.

- Nossa, seu grosso, você tá convivendo muito com o seu amiguinho aí – Acenou ela com a cabeça fazendo um olhar de “ai que tédio” pro Matheus e me entregando o sorvete.

- HAHA o Cabeça ainda não aprendeu nada. Vazei. - Disse Matheus e sumiu no meio da multidão.

- Ai, idiota. Vai e nunca mais volta. Rique, vamos ao Shopping comigo? Preciso resolver uma coisa pra minha mãe lá e eu queria sua companhia.

-Vamos sim! – Eu disse e não devolvi o seu sorvete.

Acho que me esqueci de mencionar meu nome, me chamo Henrique e, apesar de detestar apelidos, Melissa e Matheus têm um apelido carinhoso para mim cada, Rique é como sou chamado por Melissa e Cabeça é como Matheus insiste em me chamar, juro que não sei a razão desse apelido até hoje. Ao caminho do shopping, contei-a tudo o que havia acontecido na aula e o convite que o Matheus me fez que acabou por ser irrecusável e, para a minha surpresa, Melissa concordou que eu deveria sair com ele.

- Tá que ele é um retardado que devia levar umas porradas na vida pra ver se fica mais esperto, mas ele é seu amigo né e você ultimamente tem parecido um velho, não faz nada, sair uma vez não vai te matar.

- Nossa, obrigado, tô me sentindo bem melhor agora.

- É sério Rique, daqui uns dias você vai se arrepender de não ter aproveitado sua vida enquanto pôde e não vai poder fazer nada pra corrigir isso.

- É, eu sei, mas sei lá, ultimamente eu não tenho vontade de sair pra ficar louco igual eu costumava fazer, sei lá, cansei.

- Te entendo, mas você não precisa ficar louco toda vez, só tem que se divertir.

- É, ‘cê tá certa... Mas aqui, me contaram que você pegou aquele menino do cabelo de cuia, verdade isso?

- Quem te contou isso?

- Ué, a escola toda tá sabendo. Por que você não me contou antes? Ele é estranho. – eu disse rindo e logo percebi seu rosto de menina inocente corando.

- Por isso, eu sabia que você ia acabar falando alguma coisa ruim dele e, pra sua informação, o nome dele é Vinícius e ele é um fofo.

- Eu sei o nome dele... ‘Cê gosta dele?

- Eu não sei, acho que sim... Chegamos, é aqui – desconversou.

Resolvemos tudo que ela tinha que resolver no shopping, lanchamos e jogamos conversa fora, falamos da escola, de colegas e da vida em geral. Depois, fomos para o ponto de ônibus e pegamos o ônibus para casa. Moramos no mesmo bairro e estudamos na mesma escola, mas em horários diferentes. Eu e Matheus estudamos de manhã, na mesma sala, a Melissa estuda de tarde e estamos no terceiro ano do ensino médio, como a maioria dos adolescentes de dezessete anos que nunca repetiram o ano.

Apesar de sentir vergonha, Melissa é bolsista na nossa escola e só conseguiu isso por seu esforço nos estudos e sua inteligência, nós nos conhecemos desde pequenos e eu a vi se esforçar bastante para entrar na nossa escola e para conseguir uma educação melhor e se tornar médica, por isso estuda em horário diferente. Eu a admiro muito por isso porque sempre estudei nessa escola e acho que nunca dei o real valor que deveria ao esforço que meus pais fazem para pagá-la, não sou rico como o Matheus, mas posso dizer que minha família tem uma situação estável e boa.

Sou filho único e um pouco mimado, mas nada se compara a Matheus. Ele tem uma irmã mais nova, a Lana, que, apesar de fofinha e linda, é um saco. Ela é a menina mais mimada que já vi na vida e Matheus não fica longe disso. Os pais deles trabalham muito e os dois foram criados por uma babá que mora junto com eles, às vezes tenho a impressão que o meu amigo ama mais a babá, que se chama Léa, do que a própria mãe, uma advogada bem sucedida obcecada com sua saúde e estética. Creio que por causa disso, Matheus seja um pouco sem noção e tenta buscar atenção, mas nunca tocamos nesse assunto.

Eu, por outro lado, sou muito grudado aos meus pais, somos amigos e eles às vezes me superprotegem demais, mas nada que me impeça de fazer as coisas, inclusive, quando chego em casa e conto a eles parte da proposta do Matheus ( obviamente ocultei a parte da bebida para evitar possíveis conflitos) se mostraram positivos a atitude do meu amigo.

- Filho, você tem que sair mesmo, se divertir pegar umas meninas se distrair, você estuda demais! – Disse meu pai.

- Que isso Marcos, mais respeito... Filho seu pai tem razão, em partes, só não quero que você seja uma babaca com as meninas...

- Ah para Teresa, os meninos de hoje em dia falam assim, não é Henrique?

- É, pai! – Falei rindo da cara de insatisfação que minha mãe fez.

Que eu não vinha saindo muito, meus pais estavam certos, mas, sobre a parte de estudar, já havia um grande erro. Como eu disse antes, tenho muita facilidade de aprender, mas tenho muita preguiça de estudar. A maioria das vezes em que meus pais me viam estudando, provavelmente eu apenas fazia as tarefas de casa, os trabalhos da escola ou estava lendo algum livro de literatura que gostasse, de menos estudando para o vestibular de fato. Em dois meses, eu deveria escolher o curso superior de minha preferência, todavia, não tenho nenhuma ainda. Meus pais querem que eu faça engenharia, mas eles dizem que eu posso escolher o que eu quiser, mas, sinceramente, eu não faço ideia do que quero e isso tem me deixado muito frustrado.

Cotinua no capítulo II.

Gustavo Ribeiro
Enviado por Gustavo Ribeiro em 06/08/2014
Código do texto: T4912584
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