O Casarão
Corria o ano de 1 979. Eu tinha uma pequena loja de cosméticos, na região do Mercado Municipal de Taubaté. Trabalhava eu e o meu irmão Claudemir, passávamos um perrengue danado, mas gostávamos do que fazíamos. O ambiente era agradável, tínhamos muitos amigos, enfim, um trabalho e uma diversão ao mesmo tempo.
Eu já tinha dois filhos. Meu irmão acabara de me comunicar que a namorada estava grávida, e que ele precisava casar. O que vendíamos não comportaria tratar de duas famílias ao mesmo tempo, precisávamos de um ponto melhor.
Na esquina da rua bispo rodovalho havia um casarão antigo, chamada de CASA CAMILHER, onde se vendia ferragens desde 1.896, um ponto tradicional que era passado de pai para filho.
O atual dono, já cansado, devia estar mais ou menos com 78 anos, e resolveu fechar o comércio e viver da aposentadoria e do que tinha conseguido guardar.
Eu tinha um amigo, chamado TIÃO DA BOLACHA, esse apelido adveio por ele ser comerciante deste produto durante muitos e muitos anos.
--- oi Claiton, parece que você esta indo bem na venda de cosméticos, sem contar à mulherada que entra e sai da sua loja.
TIÃO era considerado um mulherengo, boa aparência, forte e rico.
--- que nada Tião, vendemos, pagamos e o que sobra mal dá para pagar as contas.
--- esta precisando de um ponto melhor. - disse ele me puxando pelo braço e mostrando o ponto da Casa Camilher.
--- seria maravilhoso, amigo, mas não tenho dinheiro para comprar um ponto no calçadão.
--- vai lá, converse com o seu Mário, o dono, quem sabe ele faça um bom negócio para você, ele esta liquidando tudo.
--- vou pensar no assunto. - retorqui
Passaram-se dois dias, e a ideia não saia da minha cabeça. Falei com o Claudemir o meu irmão. Ele riu.
--- aonde vamos arrumar dinheiro.
Como a ideia ficava em minha cabeça, resolvi procurar o senhor Camilher em sua casa.
Primeiramente fui recebido pela filha. O pai e a mãe estavam tomando o café da tarde, e esse ritual era quase inglês, não podia ser interrompido. Esperei, enquanto conversávamos a filha, perguntou qual era o assunto.
--- estou querendo alugar o ponto do seu pai. - respondi
Mulher bonita aproximou-se e sentou-se do meu lado.
--- posso lhe dar uma ideia.
--- claro que pode. - fiquei olhando suas pernas torneadas.
--- meu pai esta querendo alguém que derrube o casarão e construa um ponto comercial, para ficar como renda para os filhos.
--- entendi.
O Sr. Mário e a esposa Ceci, entraram na sala. A filha saiu de perto e foi sentar-se em outra poltrona.
--- boa tarde seu Mário, boa tarde senhora, meu nome é Claiton, eu tenho uma loja bem para baixo da sua, um ponto não muito bom do mercado, loja de cosméticos.
O casal de idosos se sentou.
A filha entrou na conversa.
--- pai... A loja dele é bacana, só vende coisas para mulher, eu compro lá.
Mentira... pensei. Se aquela mulher tivesse entrado em minha loja eu teria lembrado.
O senhor Camilher, olhou-se de soslaio.
--- que bom, então somos comerciante, mas o que o trás até a minha casa? - indagou, olhando firmemente em meus olhos.
--- quero alugar o casarão.
--- não posso alugar, preciso derruba-lo, ou reformá-lo, infelizmente ele está embargado pela prefeitura, o telhado pode desabar a qualquer momento, por isso estou vendendo o prédio.
A esposa estava quieta, olhava para o nada, ou seja, olhava para mim, parecia querer ver o que não via.
--- sei senhor Camilher, mas diga-me, e se eu derrubasse o prédio, e construísse três pontos de aluguel, qual o preço que o senhor faria e quanto tempo o senhor me daria de contrato.
Ele olhou-me novamente. Com certeza viu que eu não tinha condições de fazer o que estava me comprometendo a fazer, segurou na mão da esposa.
--- o que acha Ceci? - indagou
A esposa de cabelos completamente grisalhos se aproximou e solicitou.
--- dê-me a sua mão.
Foi só então que eu percebi que ela não enxergava.
Obedeci e dei-lhe a minha mão. Ela segurou como se segurasse a mão de uma criança, a alisou como um doce afago.
--- quantos anos você tem? - indagou.
--- trinta.
--- jovem. - ela riu.
--- quem me dera, já tenho dois filhos.
--- dois... Nós temos três, esta a Zuleica e a mais jovem, acabou de se separar.
Olhei para a beldade. Ela sorriu. Eu sorri.
--- quer dizer então que você tem dinheiro para construir.
--- não. - respondi secamente.
--- se não tem dinheiro, como você faz a oferta para o meu marido.
--- tenho ideias para arrumar o dinheiro, e creio que conseguirei fazer o prédio em quatro meses.
--- você é otimista, gosto da sua voz, gosto da sua impetuosidade, gosto da maneira que fala me faz lembrar o meu marido, quando nos conhecemos, a loja estava quase falida, e ele tomou conta, isso já faz 50 anos, sobrevivemos, criamos nossos filhos, enfim, fomos felizes.
--- percebo, pela maneira que vocês se acariciam, parece um jovem casal de namorados.
Ela sorriu.
--- isso se chama respeito, um pelo outro. Vamos ao que interessa, faça sua proposta por escrito, entregue ao Mário e amanhã lhe daremos a resposta.
--- combinado. - levantei-me, enquanto ela foi sentar-se ao lado do marido.
--- Zuleica pode me arrumar uma folha de papel, quero fazer a proposta por escrito.
A moça levantou-se foi até uma escrivaninha antiga e pegou caneta e papel.
Escrevi rapidamente, mais ou menos o seguinte.
EU, Claiton Cabral de Vasconcelos, portador do reg. numero..., me comprometo a derrubar, e construir no local onde hoje é a casa de ferragens Camilher, três pontos comerciais, pelos quais pagarei a quantia de........, de aluguem mensal, a partir do momento em que os pontos estiverem prontos, durante 5 anos, com reajuste anual de acordo com a Lei de inquilinato, com direito a renovação do contrato por mais 5 anos. O aluguel a ser pago é de... Pelos três pontos, os quais eu poderei sublocar de acordo com a minha necessidade, por valor superior, igual, ou menor do que eu pago para o senhor Mario.
Assinei o documento e entreguei na mão de Zuleica. Ela sorriu após ler o conteúdo.
--- boa proposta pai. - passou o documento para o genitor.
--- vamos conversar eu e minha esposa, e amanhã eu passo em sua loja e te dou a resposta.
Levantei-me. Despedi-me primeiramente da filha, depois segurei na mão da senhora Ceci, ela parecia ver algo que os outros não viam. Cumprimentei o senhor Mario e sai.
Contei a novidade para o meu irmão.
A resposta foi simples.
--- você é louco. Aonde vai arrumar dinheiro, você esta mais duro que mourão de garapeira.
Ri da afirmação. Ele tinha razão.
Ficarei durante todo o dia pensando no que aconteceria no dia seguinte. As horas se passaram.
Manha de sexta feira.
A porta da Casa Camilher estava fechada. Nove e meia, a loja continuava fechada. O letreiro de vendesse este prédio tinha sido retirado.
Tião o Bolacheiro, veio até a minha loja.
--- bom dia Claiton.
--- bom dia Tião.
--- tá vendo, você não aproveitou a oportunidade parece que o velho vendeu o casarão.
Olhei com tristeza em direção a construção.
--- fazer o que, tem coisas que não dão certo em nossas vidas.
Nem bem tinha acabado de falar, quando dona Ceci e o senhor Mário entraram pela porta da loja. Tião se afastou um pouco, queria ouvir o que o casal de ancião tinha para falar.
--- bom dia Claiton. - disse primeiramente dona Ceci esboçando um largo sorrido. Depois o senhor Mário fez o mesmo.
Dona Ceci tirou de uma bolsa tão antiga quanto ela, o papel que eu tinha deixado com a oferta.
--- aqui esta a sua proposta... Nem abrimos a loja hoje, porque vamos vender tudo para um comerciante de São José dos Campos a um preço bem em conta, a partir de segunda feira, você pode derrubar o prédio, e começar a construção, isto é se tiver dinheiro para isso.
Tião olhou-se assustado. Meu irmão colocou a mão na cabeça, com certeza pensando. Estamos...
--- tudo bem dona Ceci, assim que o prédio estiver vazio, vocês me dão as chaves, vou pedir para o meu contador fazer um contrato, de acordo com a minha proposta, e levo para vocês lerem e assinarem.
Peguei a minha proposta, abaixo da minha assinatura, estava escrito.
Aceitamos a proposta ofertada pelo senhor Claiton Cabral de Vasconcelos, para demolição, construção, e aluguel do prédio situado à Rua Bispo Rodovalho numero...
Abaixo, primeiro a assinatura da senhora Cecília Camilher, depois do marido e dos três filhos.
A dificuldade para construir, a alegria de ter uma loja no calçadão, a construção da minha casa com o dinheiro que ganhei em dois anos, e a venda dos pontos para outros comerciantes, ficara para outro dia.
O prédio foi construído, como, aonde arrumei dinheiro, quem me ajudou as dificuldades, a necessidade de eu ter que trabalhar como professor no Presidio Masculino de Tremembé, e no Presidio feminino de Tremembé, outra história que fica para outro dia.