Culpa

Sérgio Fidalgo era um ser mesquinho, acostumado com as pompas do dia-a-dia; não aceitava nada além de elogios. Era um homem que falava pouco, o que não significava ser de poucas palavras. Na verdade quando abria a boca, soltava sempre três ou quatro que mais valiam um turbilhão de verbetes, tamanha a dureza das mesmas. Senador de carreira, conseguindo votos com falsa simpatia, fazia questão de se manter no ápice de tudo; “um homem pra se seguir”, diziam os mais bajuladores.

Andando certo dia pela calçada de seu prédio, apressado, esbarrou em um mendigo de meia-idade que carregava um pequeno ramo nas mãos, muda de alguma planta que havia encontrado em qualquer lugar. Furioso, Sérgio esbravejou com todas as suas poucas palavras:

- Preste atenção, patife!

O mendigo pegou o ramo que caíra ao chão, os olhos tornaram-se chorosos e úmidos; Sérgio franziu as sobrancelhas, esqueceu-se até que o mendigo poderia ser seu futuro eleitor, esqueceu-se da falsa educação. O morador de rua ficou um tempo fitando o homem à sua frente, ensaiou um “desculpa” que nem teve tempo de sair, recebeu ainda mais algumas poucas palavras:

- Por que olha pra mim e chora? Eu lá tenho culpa da sua vida ruim?

O mendigo secou os olhos rapidamente e respondeu:

- Não choro por mim senhor, choro pela mudinha. Ela também não tem culpa... A única coisa que ela quer é um espaço de terra, um espaço pra ela crescer, uma oportunidade... Sem que ao menos alguém a maltrate ou a mate sem motivo... Nós a fizemos cair... Sabe?

Fidalgo observou o homem com cuidado, as roupas e a sujeira por um instante pareceram não importar. O homem tinha algo majestoso no jeito de falar; Não compreendeu o ato, ainda assim, com pressa, não deu mais atenção e seguiu para o carro. No gabinete foi recebido com cordialidade e sorrisos forçados por todos; e por incrível que parecesse, achou aquilo meramente incômodo. Passou o dia atolado em papéis e em pensamentos.

Quando estacionou na calçada do prédio, reparou do outro lado da rua que lá estava o mendigo apoiado nos joelhos, cercando a muda no canteiro central. Resolveu ir até lá e tirar tudo a limpo. Aproximou-se arrumando o paletó e disse:

- O senhor não se importa com a vida que tem? Porque se interessa por esta muda idiota?

O morador de rua, respondeu calmamente:

- Não sei o senhor, mas eu não me vejo menos idiota que esta pequena muda. Infelizmente não tive alguém pra me dar um espaço quando precisei. Nem por isso preciso negar caridade pra quem também não tem. Quem me dera poder dar oportunidade para os homens... Mas por enquanto só tenho esta pequena planta.

O homem continuou lá, debaixo do sol fraco, e não disse mais nada. Sérgio permaneceu olhando, com a boca seca de onde nem sequer uma simples palavra conseguiu sair...

Em casa a esposa percebeu que o marido estava estranho, agindo pausadamente e calmamente como nunca se vira. Dormiu mais cedo e acordou mais cedo também. Quando apontou na porta do apartamento, depois do dia de trabalho a esposa levou um grande susto. Sérgio Fidalgo ria, tinha a camisa e a calça sujas de terra. Nas mãos trazia uma pequena mudinha que colocou num vasinho no parapeito da janela...

Victor Nogueira
Enviado por Victor Nogueira em 11/08/2014
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