Humanos em extinção

Eu fui sacrificado.

E sacrificado ainda estou.

Tenho estigmas pelo corpo e pela alma toda.

Feridas que nunca adormecem.

Passado que sempre assombra.

Ainda carrego a pesada cruz

Dos que muito sabem

E num torpor intelectualmente mortal

Nado em um oceano cheio de pedaços de nós.

São sonhos destruídos.

Inocências violentadas.

Mentes perturbadas.

As feridas estão expostas a sal grosso

Do olhar moralmente reprovador

Do olhar esteticamente grotesco.

Do olhar indiferente e apático de todos.

É impossível enxergar uma saída

Uma solução.

A salvação nunca foi nossa condição.

Mas a redenção diante dos mistérios da vida e da Natureza

Pode ser um começo.

Um começo digno da nossa insignificância.

Sem anjos, nem demônios

Somos crianças perdidas na escuridão

Tentando encontrar alguém

Que nos ame de verdade

Para podermos até o fim

Brincar de viver.

Somos animais atormentados pelo Tempo

O que passou e não se pode apagar

O que nos devasta no presente e nos faz incessantemente sangrar

E o que na imaginação nos esmaga todas as noites,

Sem hesitar.

De manhã, representamos

E durante o dia sonhamos

Com liberdade e falta de obrigações

E quando temos a oportunidade:

Nos destruímos.

Será esse o nosso futuro?

Uma espécie em extinção pela própria espécie?

Como lobos famintos e violentos

Iremos devorar todos os nossos inimigos

Até não restar mais ninguém do nosso lado.

A perfeição é um estado psíquico que caminha ao lado da autodestruição.

E numa autofagia, vamos caminhando até o fim dos tempos.

Há um vazio em cada um

Em cada ser que rompe com o útero

Sendo expulso do paraíso

Se sente assustado e perdido

E pelas ruas escuras tem que aprender a andar

E a sobreviver.

Esse vazio é um cantinho sagrado

Se mal preenchido pode causar a morte do indivíduo

Que padecerá até se reencontrar novamente.

Se houver chance.

A vida é cheia de convites

Convites que valorizam as vidas que inexistem.

Mas a vida estética tem sua casa cheia

Lotada todos os dias.

E quando o prazer acaba

Dirigem embriagados

Cansados de uma vida aparentemente cheia

Mas sim, cheia de miséria.

Em nosso espírito não se faz “backup”

Em nossa memória não há a opção de “deletar” erros

Em nossa consciência não há lixeira para jogarmos tudo o que não presta

E quem sabe, viver sem demasiados pesos.

A liberdade tempo atrás era um sonho

Ao fazermos dela uma propaganda mentirosa e desumana

Caímos no desespero novamente:

Estamos todos presos a mitos modernos

Cheios de dedos que nos apontam sem medo.

Então pagamos o preço

E em nossa existência

Adoecemos.

Os ideais publicitários sempre surgem com propósito de nos reduzir

De desvalorizar a nossa dignidade

De viver por imagem

Mesmo que seja uma imagem falsa

Tanto para os outros

Quanto de nós mesmos.

E assim, devoram a nossa subjetividade

E do nosso corpo, fazem campos de concentração

Onde tudo que é puramente bom vira lixo e líquido

E evaporam-se no ar

Escurecendo o céu de si e de todos.

Sem chance de um possível resíduo.

Na busca por preencher o vazio com um objeto

Nos tornamos obcecados por estes

E fissurados vivemos

E então, na busca do preenchimento

Da saciedade do prazer instantâneo

Objetos nos tornamos.

Um corpo perfeito?

O marido mais rico?

A mulher mais bonita?

A casa dos meus sonhos?

Da insatisfação viemos

E da insatisfação temos muito que aprender a conviver

Como viver sem destruir a individualidade do outro?

Como resistir a mundo cheio de imagens ostentadas sem se angustiar?

Quem disse que viver seria fácil?

Quem disse que podermos vencer tudo de uma só vez?

Quem nos enganou no romantismo, no iluminismo?

E agora nos engana contemporaneamente?

Toda essa extinção das nossas subjetividades

São frutos de falta de reflexão

De parar para pensar no que sinto

No que realmente desejo e quero

E não o que está anunciando nos outdoors

Ou links de publicidades impertinentes.

Está na hora de voltarmos para onde nos perdemos

Redescobrir quem éramos de verdade

E apagar todo este personagem cheio de pesos vazios

Ou caminharemos lado a lado, de mãos dadas

Para a beira de um precipício

Na iminente extinção de nós mesmos.