Alegria...

Alegria tinha oito anos e vivenciava o auge de sua felicidade, sua mãe após meses de insistência deu-se por derrotada e cedeu pela primeira vez a um pedido de sua filha mais nova, um cachorro. Desde quando nascera Alegria demonstrara certa depreciação pelos da sua espécie. Gostava de desenhar ou ficar deitada no chão do quintal, olhando as nuvens vagar a esmo, sem pressa às vezes unindo-se umas as outras para crescer e outras tão somente flutuar sozinhas até serem desfeitas pelo vento sem deixar nenhum rastro de sua existência. Ela era calma e não costumava falar muito, seus pais até levaram-na a um especialista, com medo de que tivesse algum problema psicológico, (não pode ser normal que uma criança prefira ficar sozinha olhando para as nuvens a brincar com seus irmãos) o doutor pediu um exame de sangue para detectar anemia ou coisa do gênero que explicasse o desejo pela solidão. Os exames apenas serviram para dizer que Alegria era uma garota completamente saudável o que era bom, então surgiu uma alternativa suficientemente plausível; Alegria era apenas uma garota tímida. A mãe deu graças a deus por não ser nada grave e o pai profanou a toda igreja católica por ter gasto tanto dinheiro por “nada”. (queria que ela estivesse realmente doente?) indagou a mãe acalorando ainda mais a discussão, (se não tivéssemos gasto este dinheiro todo fazendo exames inúteis eu poderia ter comprado aquele som novo para o carro) era mais uma das discussões que terminariam com a mãe chorando e o pai saindo para beber.

Mas aos seus poucos oito anos, Alegria experimentou o auge de sua felicidade. Naquela noite a pequena saiu de seu quarto e foi ao quarto da mãe, bateu na porta e adentrou ao velho quarto do casal, a mãe secou rapidamente suas lágrimas e esticou seus braços convidando-a para um abraço, segurou-a em seu colo e afagou-lhe os cabelos olhando ternamente em seus pequeninos olhos cor de café, beijou sua testa e sorriu forçando um sentimento que não havia em seu coração. Alegria encarou-a seriamente e lhe confessou um desejo em forma de pedido; quero um cachorro. A mãe relutou e disse que não havia nem tempo nem espaço na casa para mais um animal, mas sabia que era mentira R a filha mais velha possuía um jabuti e D a do meio tinha mais de vinte peixinhos em um aquário gigante em seu quarto. A pequena sabia que não era bem vinda naquela casa tanto quanto um cachorro, sabia que não era por falta de espaço ou tempo, mas sim por falta de amor. Por isso, a partir daquela noite passou a desenhar o único amigo que sentiu que poderia querer, mas que sabia que jamais poderia ter. Desenhava até a exaustão lhe vencer, até a semi-perfeição. Organizava seus desenhos em pastas etiquetadas com data e em ordem alfabética, aprendeu sobre raças, tamanhos, cores e formas, mas queria um cachorro de verdade, um que lhe desse carinho, que lhe lambesse as bochechas e abanasse o rabo.

Então, certa tarde ouviu a chave girando na fechadura e a porta se abrindo devagar, era sua mãe voltando do trabalho na mesma hora como todos os dias, mas ouviu um som diferente, uma espécie de ganido, correu ate a sala e deparou-se com sua mãe segurando um filhote de vira-lata embrulhado em uma camisa velha. Este foi o auge de sua felicidade. Passou o resto da tarde a brincar com seu novo amigo a quem deu o nome de Amor.

A noite caiu depressa e logo seu pai chegou, cansado e estressado como o de costume, tirou seus sapatos e meias na sala e subiu as escadas para trocar de roupa no quarto, quando no último degrau sentiu seus pés esmagarem algo quente e pegajoso, gritou o nome da coisa (MERDA!) em seguida correu até o quarto de Alegria e chutou a porta abrindo- a com violência, agarrou a pequena pela orelha e seu amiguinho pela cabeça, levou-os até a cena do crime, e enquanto gesticulava toda sua ira ainda com o cachorro pela cabeça em sua mão arremessou-o sem querer escada a baixo e quando Alegria não suportou aquela cena gritou-lhe a última palavra que sairia de seus pequenos lábios vermelhos (COVARDE!). Ele sem titubear esmurrou sua face com tanta força que a fez perder os sentidos e cair rolando da escada, quando seu corpo chegou ao chão nenhum dos dois mais estava com vida, nem o Amor nem a Alegria.

Gracieli Allebrandt
Enviado por Gracieli Allebrandt em 18/08/2014
Reeditado em 27/08/2014
Código do texto: T4926942
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