Poesia e saudade
                      quando o sol morria...




     1. "Ontem à tarde, quando o sol morria", voltei ao autor desse nostálgico verso: Antônio de Castro Alves. Percorri, quase que num fôlego só, as páginas de Espumas Flutuantes.
     2. Reencontrando-me com os seus poemas, senti-me mais embevecido do que nunca! Era como se os estivesse lendo pela primeira vez; era como se só os estivesse conhecendo naquele momento, ou seja, "ontem à tarde, quando o sol morria."
     3. Li versos fantásticos como esses do poema Quando eu morrer
       Quando eu morrer...não lancem meu cadáver
       No fosso de um sombrio cemitério
       Odeio o mausoléu que espera o morto
       Como viajante desse hotel funéreo.

     4. E versos maravilhosos como esses, do poema Canção do boêmio -
          Nini, formosa! Por que assim fugiste?
          Embalde o tempo à tua espera conto
          Não vês, Não vês?...Meu coração é triste
          Como um calouro quando leva um ponto.

     5. E quando a vê chegando, verseja -
           Batem...que vejo! Ei-la afinal comigo...
           Foram-se as trevas... fabricou-se a luz...
           Nini! Pequei... dá-me exemplar castigo!
           Sejam teus braços...do martírio a cruz!...

     6. Olhando pro sol se despedindo, de repente me vi relendo, desse inigualável vate baiano, dos seus melhores poemas, aquele que mais gosto: Adormecida.
            Uma noite, eu me lembro...Ela dormia/ Numa rede encostada molemente.../ Quase aberto o roupão...solto o cabelo/ E o pé descalço do tapete rente.  
`Stava aberta a janela. Um cheiro agreste/ Exalavam as silvas da campina.../ E ao longe, num pedaço do horizonte,/ Via-se a noite plácida e divina. 
=  De um jasmineiro os galhos encurvados,/ Indiscretos entravam pela sala,/ E de leve oscilando ao tom das auras,/ Iam na face trêmulos - beijá-la. 
=  Era um quadro celeste!...A  cada afago/ Mesmo em sonho a moça estremecia.../ Quando ela serenava... a flor beijava-a.../ Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia... 
=  Dir-se-ia que naquele doce instante/ Brincavam duas cândidas crianças.../ A brisa, que agitava as folhas verdes,/ Fazia-lhe ondear as negras tranças! 
=  E o ramo ora chegava ora afatava-se.../ Mas quando a via despertada a meio,/ P´ra não zangá-la...sacudia alegre/ Uma chuva de pétalas no seio... 
=  Eu, fitando esta cena, repetia/ Naquela noite lânguida e sentida:/ "Ó flor! tu és a virgem das campinas!/ Virgem! ´- tu és a flor da minha vida!... (1868)

     7. Reli esses versos, e como diz o Fágner, aí "bateu saudade.  Por quê? Eu tinha meus 15 anos quando, sem querer, a encontrei adormecida numa redinha sertaneja.
Com os cabelos soltos a cobrir-lhe parte do rostinho e do seu sutiã azul-celeste saindo timidamente parte de seus seios, pequeninos, túrgidos e inocentes, ali estava Mariza à disposição dos meus olhos e de minha imaginação juvenil, recheada da mais completa maldade...

     8. Os anos foram caminhando com exagerada rapidez e de Mariza ficou-me apenas a lembrança de uma bela mulher adormecida. Perdi-a de vista.
     9. Dias atrás, conversando com uma amiga daquele tempo, soube que Mariza morrera, mal completara 40 anos. 
Despedira-se deste mundo recolhida a uma cela franciscana, de um convento seráfico, como Madre Mariza, e com um rosário entre os dedos de suas mãos maltratadas pela doença que lhe tirara a vida.
     10. Ao saber da morte de Mariza, e recordando-a adormecida naquela redinha, descobri por que, dos poemas de Castro Alves, Adormecida, é o que mais gosto...
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 20/08/2014
Reeditado em 14/11/2019
Código do texto: T4930390
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