Chembrenga

Iniciei minha carreira de geólogo em 1981 em Itaituba/PA, nosso acampamento ficava a 32 km da cidade e o acesso se dava por uma estrada de chão muito ruim. Localizava-se às margens da Transamazônica e do maravilhoso Rio Tapajós, com suas praias de uma beleza extraordinária.

A pesquisa tinha como objetivo, a principal matéria prima para cimento, o calcário, rocha sedimentar componente da unidade litológica denominada de Formação Itaituba, que por sua vez compõe a Bacia Sedimentar do Amazonas.

Apesar de toda a riqueza natural da região, a parte mais interessante e que me recordo com muito carinho e alegria foram as pessoas que conviveram comigo naquele trabalho. Eram cerca de 70 “peões”, fazendo parte de sete equipes de sondagem e quatro equipes de topografia, além do pessoal de apoio. Era gente de todo jeito, a maioria vinha da cidade de Monte Alegre/PA ou dos garimpos da região e muitos eram só conhecidos por apelido. Tinha o Catolé, o Macaco, o Macaquinho, o Pipira, o Caximbão, enfim, dava pra jogar uma boa pelada.

Um desses “peões” era meu auxiliar de campo, seu nome de batismo, Manoel Firmino, mais conhecido como Chembrenga. Andava comigo nos mapeamentos geológicos, avaliando os afloramentos ao longo das picadas abertas pela equipe de topografia no meio da densa floresta da região. Chamava muito minha atenção no final do dia, quando eu, já muito cansado e todo sujo de lama, mato e tudo o mais, quando observava a limpeza do Chembrenga, era impressionante, roupa limpinha, cabelos penteados, bigodinho arrumado e pra completar, uma serenidade e calma contagiantes. Normalmente andava com um saco pendurado no cinto e um terçado para abrir caminho nos pontos onde a mata avançava sobre a picada. Quando chegava a hora do almoço, parávamos normalmente às margens de um igarapé, aonde eu já ia me sentando cansado como fosse possível, mas ele procurava uma árvore de folhas grandes, cortava alguns galhos e forrava o chão pra sentar, abria o saco e retirava de lá uma lata de leite, onde levava uma excelente farofa de ovos e charque, passava uma colher pra mim e uma pra ele. Comíamos tranquilamente e depois pegava a sobremesa, uma laranja ou uma banana que ele puxava de dentro do saco. A água estava ali à nossa disposição, era só pegar no igarapé, cristalina e saudável.

Numa dessas paradas, após o almoço, me afastei um pouco do local, curioso com um ruído na mata, fui bem devagar, pois percebi que era um animal se movimentando entre as árvores e arbustos, de repente, na minha frente, um imenso Tamanduá Bandeira em pé, nas duas patas traseiras, tive a impressão de uns dois metros de altura, fungava forte na minha direção, brabo, não consegui mais me movimentar, fiquei paralisado, um misto de admiração e medo, o bicho era lindo demais, cor predominantemente marrom, o rabo imenso, a barriga mais clara, fantástico! Não sei quanto tempo ficamos frente a frente. De repente uma vara fina de madeira passou zunindo ao meu lado atingindo o bicho na barriga, não feriu, mas ele imediatamente se abaixou e senti o Chembrenga me puxando fortemente pelo braço me afastando do local. Falou-me depois do perigo de ser abraçado por um Tamanduá Bandeira, segundo ele, o animal enterra as unhas no nosso corpo e pode ser mortal, pois é muito difícil soltar. Disse que já viu esqueletos de Tamanduá e de Onça entrelaçados mostrando como predador e vítima morreram.

Algumas vezes deixava o Chembrenga no acampamento central e ia sozinho ver alguma coisa nas picadas, normalmente não via nenhuma cobra ou outro animal peçonhento, porém deixei de fazer isso quando observei que quando ele estava comigo mostrava-me pelo menos uma cobra a cada 50 metros, era impressionante, acho que pisei em muita cobra e fui salvo pela providência Divina.

Pude contar com o apoio do meu companheiro de mato por muito tempo, andamos também pelas florestas do Rio Jatapú e Rio Uatumã no Amazonas, Rio Juruá e Rio Purus no Acre, entre outros e depois por volta de 1988, devido sua idade avançada e experiência ficou dando apoio através de rádio transmissor em Manaus às equipes de campo. Grande Chembrenga, faleceu em 1997 e com certeza nem a morte foi capaz de sujar suas roupas e tirar sua serenidade.