Bonito Hein?

Era uma vez, ou melhor, era varias vezes que Francisca, uma secretária muito simpática, mentia e omitia em favor do seu chefe.

Toda vez que chegava uma ligação indesejada para ele, Francisca era obrigada a dar uma desculpa para a pessoa ignorada, que ficava muito irritada por sinal.

A desculpa campeã com certeza era a do banheiro. Quando não tinha mais nada a falar era só isso que vinha sua cabeça:

-Desculpa senhora, mas Dr. Adalberto não pode atendê-la.

-Ora por favor! – replicava a outra voz – nem para a sua esposa ele tem tempo?

-Sabe o que é? Ele esta no banheiro! – Francisca falava toda sem graça, sob pressão do chefe, que ficava do seu lado fazendo sinais com as mãos demonstrando uma descarga. Obviamente significava que era um “banheiro”.

A esposa de Dr. Adalberto se irritava com cada desculpa. Claro que ela não era burra, e não caia nessa do banheiro. Um dia resolveu ir até o trabalho do marido só para conferir se ele realmente trabalhava ou estava de caso com a secretaria, como já havia deduzido.

Se escondeu atrás da porta da sala e catou o celular da bolsa. Ligando para o número do telefone da secretaria, fez a mesma pergunta de sempre:

-Adalberto, meu marido, esta?

-Ola Sra. Rodrigues! Sabe o que é... – parou um instante fitando o olhar em Adalberto para ver o que fazia, que por sua vez, já estava todo enrolado com os sinais.

-Banheiro, senhora... ele foi... Oh não! Desculpe... ele foi no... na Reunião! Ele esta em uma reunião.

-Reunião no banheiro? – zombava a esposa mal amada.

-Não senhora, na sala mesmo – Francisca espremia o telefone contra a orelha, pondo a outra mão no rosto escondendo a expressão de preocupação.

-Ora ora! Que desculpa horrível! – Sra. Rodrigues escancarou a porta num barulho só, bufando pelas ventas, quase quebrando o celular na mão. – Bonito Hein, Betinho?

-Betinho? – rio-se Francisca.

-Paixão! Chuchu! – Dr. Adalberto tirava os pés de cima da mesa despertando de um sono mal dormido, quase caindo da cadeira todo desajeitado com a sua pança enorme de urso embernando.

-Não venha com isso seu malandro descarado! Onde esta a encrenca da reunião?

-Acabou de acabar senhora. – Francisca tentava acobertar seu chefe, ainda mesmo rindo do seu tosco apelido.

-Ah! Recolha-se a sua insignificância, sua insolente! – esbravejava Sra. Rodrigues fazendo Francisca diminuir na cadeira trancando os risos e o pavor que estava acumulando para si.

-Mas, amor... – choramingava Dr. Adalberto

-Sem “mas”, seu tratante! É assim que você é comigo? Eu querendo resolver nosso problemas e você trancado em suposto banheiro! De tantas vezes que ouvi de sua secretaria que estava no banheiro, cheguei a imaginar que minha comida lhe fazia mal!

-Mas faz... DIGO! Não, não meu amor! Meu chuchuzinho... não fique assim!

-Cale a boca! Com você me resolvo depois, em casa! – se virou para Francisca furiosa enfiando-lhe o dedo na cara – e você sua fedelha... – não sabendo o que falar, apenas esbravejou e xingou Francisca como pode, de coisas que não pretendo colocar aqui, por ser impróprias. Saiu da sala como louca, derrubando tudo que via pela frente!

Francisca na sala trancando o riso enquanto trancava, também, a vontade de xingar marido e mulher ali mesmo.

-Hey você! – exclamou Dr. Adalberto – Mais uma risada e será demitida!

-Sim Senhor. – voltou a seriedade com dificuldade.

-Se alguém ligar...

-Digo que o senhor esta no banheiro devolvendo a comida de sua mulher – Francisca interrompeu debochando do chefe

-Sem gracinhas mocinha, já estais com a corda no pescoço! – falou Dr. Adalberto num tom de autoridade.

Passado alguns dias depois disso, Dr. Adalberto se encontrava separado, mas ainda não perdia sua mania de mandar sua secretaria omitir sobre o que fazia ou deixava de fazer. Francisca já se sentia mal em fazer isso tantas vezes, resolveu falar com seu chefe.

Levantando-se de sua cadeira, foi até a sala pedindo licença, muito sem graça.

-Posso lhe falar por uns instantes Dr. Adalberto?

-Claro Francisca. O que deseja? Se for aumento fique sabendo que não posso, as inflações cresceram e eu não estou esbanjando tanto dinheiro assim não. – não dando muita atenção para ela, continuando a mexer em alguns papéis em cima da mesa

-Se fosse por causa de aumento eu já saberia que essa é mais de uma de suas desculpas, acho que já ouvi essa no mês passado Dr. Adalberto – Francisca replicou em tom de zombaria.

-Ora, recolha-se a sua insignificância! Já lhe disse que esta com a corda no pescoço! – nessa hora ele olhou para ela com autoridade, mas logo voltou a mexer e a assinar papéis em cima da mesa.

-Desculpe senhor. – abaixou a cabeça e continuou a falar – Sabe o que é Dr. Adalberto, eu não gosto de mentir, e ficar fazendo isso me incomoda muito. – até ai ele não deu nem uma atenção a ela, continuando a mexer nos papéis apenas respondendo com “uhums” e “ahans”. – Adalberto, não irei mais mentir sobre o que você esta ou deixa de fazer. Não quero mais, falarei apenas a verdade como sempre quis! – Francisca aumentou o tom de voz fazendo Dr. Adalberto notar que estava enrascado. Ele arregalou os olhos e um silêncio dominou a sala, e antes que Dr. Adalberto falasse alguma coisa os dois foram interrompidos por uma batida na porta. Era Seu Leonardo da portaria, muito manso na sua idade já passada, e com os cabelinhos brancos tapados pelo bonezinho do Internacional que havia ganhado um jogo na noite passada.

-Me desculpe Dr. Adalberto – falou Seu Leonardo com a voz rouca – mas eu preciso falar com a Dona Francisca.

-O que houve? – estranhou Francisca.

-Pode falar aqui mesmo Seu Leléu. – falou Dr. Adalberto, voltando a mexer nas folhas e assinando os papéis desprevenido.

-Pois bem Dona Francisca, seu ex-namorado esta lá em baixo querendo muito falar com a senhorita. – Seu Leonardo sussurrava.

-DE NOVO? – Francisca exclamou alto desgostando do assunto, deixando Dr. Adalberto mais interessado no assunto sem dar um sinal disso.

-Pois é! É a terceira vez que ele aparece aqui em 5 dias! – suspirou Seu Leonardo, também muito desgostoso.

-Diga para ele que não vim! Fui ver minha vó no hospital! Esta muito doente, e eu precisei ficar cuidando dela!

-Mas eu já não falei isso Dona Francisca?

-Não, não Seu Leléu, você falou que era a minha bisavó! Mas agora diga que foi a avó! É uma doença de família hereditária e tudo mais. Certo?

-Sim senhorita. – Seu Leonardo saiu da sala rindo, mas cumprindo as ordens de Francisca.

Enquanto isso Dr. Adalberto olhava para os dois com uma cara pasma, rindo-se.

-Suas mentiras são melhores que as minhas “Dona” Francisca. Bonito Hein? – começou a rir sozinho, e Francisca parou e notou o que fez. Vermelha como um pimentão, saiu da sala de cabeça baixo sussurrando sua última frase:

-Para ex-namorados é diferente!

-Ah sim, sim. Entendo perfeitamente! – Dr. Adalberto continuou a rir e a tirar sarro da situação.

Francisca voltou para o seu posto de sempre, ainda muito sem graça fitando seu olhar no chão, quase chorando de tanta vergonha. E então o telefone toca.

-Escritório do Dr. Adalberto, boa tarde? – Francisca falou voltando a realidade.

-Boa tarde, poderia falar com o Seu Adalberto?

-Quem deseja?

-Clóvis o vizinho dele.

Francisca tira o telefone do ouvido e olha para a porta do escritório de Dr. Adalberto, vendo o mesmo fazendo sinais com as mãos.

-Sabe o que é? – ela captou a mensagem do chefe – Dr. Adalberto esta no banheiro!

Nannye
Enviado por Nannye em 19/05/2007
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