A confiança é tudo ou Beau Geste

                                   "A arte é  um esforço para criar, além
                                       do mundo real, um mundo mais humano."
                                                         André Maurois   

 
 
 
                  Vejam vocês, estava eu começando uma  crônica amena, quando toca o telefone.  Era o Afrânio.  Quem me acompanha desde 2010, conhece o Afrânio.  É aquele sujeito enjoado, sempre com uma angústia existencial e que acaba me tirando o sono, de vez em quando. Há pessoas assim e vejo esse problema até em poetas. Há poetas que só fazem poemas se queixando de suas pretensas musas.  Que foram traídos, que não receberam o amor devido, etc. etc.E o que acontece? As musas se afastam, pois elas estão sedentas de carinho, de boas palavras.  Elas querem o gesto nobre (Beau Geste). É o que eu faço com o chato do Afrânio, evito sua presença, pois ele só me vem com problemas angustiantes.
                           - Fala, Afraninho!
              - É o seguinte, Gil, o que é mais importante, a esperança ou a confiança?
                  Com esta pergunta à queima roupa, titubeio. Provoco em mim uma tosse, pra ganhar tempo, e afirmo que é a confiança, com voz firme e fazendo pose.
                  -  A confiança?  Não é a esperança? Os gregos sempre disseram e fizeram fé na esperança e a caixa de Pandora está aí pra confirmar isso.
                  - Não é, Afraninho. Eu afirmo: é a confiança. Você precisa largar esses gregos, troianos, sofistas, filisteus, samaritanos,  etc.  etc. Você nunca ouviu falar na expressão “Confiou, dançou?”
                  -  Deixa de brincadeira, Gil. Então, me fala sobre a confiança, amanheci angustiado.
                  Bem, nesta altura da conversa, desliguei o telefone, sem a menor confiança na melhora do temperamento depressivo do amigo.
                  Na verdade não desliguei logo o telefone, disse, antes de encerrar a conversa, que iria escrever sobre a confiança.
                  Meus amigos, vivemos tempos de grande desconfiança. Nossa época se caracteriza pela farsa. Eu diria que o mundo de hoje é o mundo da propaganda enganosa. Tudo parece ser uma coisa e vamos ver não é nada do que  pensamos. Hoje, o homem parece ser homem, mas quando examinamos de perto, não é homem: é mulher. A mulher, a mesma coisa. Parece mulher e quando nos aproximamos, encontramos um homem. E não quero aqui abordar a indefinição, onde tudo parece, mas não é nem uma coisa nem outra.  Afirmo novamente:  Nossa época é Pirandélica! (com ponto de exclamação).
                  Mas por que estou dizendo tudo isso? Talvez porque veja na sinceridade algo que poderia mudar o mundo.  Nesta vida insegura, a segurança íntima no procedimento de alguém confiável é a grande felicidade. É o sentimento mais gostoso que já pude provar. Já disse e vou repetir. Tive a sorte de ter três grandes amigos de verdade. E hoje enxergo que a principal característica do verdadeiro amigo é a confiança absoluta que podemos ter nele. A confiança é uma pedra preciosa que deixa a nossa vida em uma dimensão maior. Quando a maioria dos seres humanos nos decepciona, é uma maravilha ter alguém em quem confiar em todas as circunstâncias, mesmo nos momentos mais difíceis.  Acho que todos já tiveram esse sentimento em alguma ocasião, quando podemos tirar todas as máscaras, respirar livre e profundamente diante da pessoa confiável.  É um sentimento parecido com a confiança irrestrita que tem o filho para com o pai ou a mãe.
      Sem confiança, não há esperança que resista.  No mito grego, eu deixaria na caixa a confiança e não a esperança. 
      Sem confiança, meus amigos e amigas, não damos um passo à frente. Sem confiança, não nos levantaríamos da cama. Não tomaríamos um copo d'água. E se atravessássemos a rua, fatalmente seríamos atropelados por um carrinho de bebê, como diria Nelson Rodrigues. 
     Vou parar por aqui. E pergunto ao leitor,que, felizmente, não corre nenhum risco em ler este texto e nem ao menos conhece o Afrânio. Nesta  selva de bandidos em que vivemos, não estamos necessitando urgentemente do nosso nobre gesto?




Nota: Continuo escrevendo crônicas com acentuado bom humor, influenciado pelos meus autores favoritos: Moacyr Scliar, Machado de Assis, Ítalo Calvino, Camus e Nelson Rodrigues. Espero que a arte torne nosso mundo mais humano, como diz André Maurois.
Gdantas
Enviado por Gdantas em 23/08/2014
Reeditado em 23/08/2014
Código do texto: T4934135
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