Sígno de Leão

Quero bem a esses agostos de ventos cruzados. O assobiar pelas frestas da veneziana. Admiro a contorção das folhas agitadas na heroica luta contra o vendaval. É tempo de ressacas. Mares revoltos. O signo leonino responde por esse ímpeto da natureza.

Pouco me incomoda o revoar de papéis sobre o chão. Meus rascunhos. Horas de pesquisas, dicionários, grafites. Desânimos e acertos.

Chove há vários dias. Fecho a janela sem ligar o ar-condicionado. Preciso ouvir o tamborilar dos pingos d’água na vidraça. O entardecer é triste igual a um conto de Dickens, mas isso não me perturba. Nem toda tristeza é mágoa.

Gosto de tardes assim quando não escuto vozes pela casa. Preservo minha solidão.

Vez por outra o céu clareia e contemplo a chuva raiada de sol. Uma tênue garoa neblina sobre a grama no quintal atapetada de flores caídas da mangueira. Sementes mortas. Ex-mangas suculentas, papo-amarelo.

No cinzento do céu um arco-íris feito tobogã, amassando as nuvens, desce em cores e poucos minutos depois se dissolve por encanto. Por causa dessa transformação da natureza, Monet pintou um monte de feno em várias horas do dia. Precisava captar o momento da sua configuração efêmera.

Logo mais será noite e não poderei apreciar o talento da lua escondida.

Tenho laços umbilicais com esse mês do ano. Faço aniversário. É o pêndulo do meu relógio biológico. Cronômetro do tempo carrasco. Sem disfarces. Não herdei sua tempestuosidade.

Estou na fase de incensos, essências e bons fluidos.

Gosto de brisas amenas, por isso comprei sininhos chineses. Ao ouvi-los, benefícios de harmonia e saúde chegarão a mim por intermédio do som, a mais pura reflexão de todos os sentidos. Coisas de orientais.

Na melodia dessa música serei embalada. Chegue a mim o saber milenar dos ventos da China. Os ares de Xangai iguais aos de Boa Viagem serão indispensáveis para alimentar o misticismo.

Já tentei meditação, mantras, sentar de olhos fechados na postura de lótus, ouvir cantos de mosteiros. Submeto-me a quem me acenar com a garantia de paz e tranquilidade.

Tenho dado um tempo aos meus santos de devoção cansados de me ouvir. No momento concentro-me no equilíbrio do Yin Yang.

Por influência do Feng-Shui descobri os lugares positivos da casa. Encontrei o oeste da criatividade e nele instalei minha área de ação. Falta-me identificar o lado positivo onde encontrarei capacidade para colocar bitola em trilhos que não são meus.

É noite. Parou de chover. O céu está claro, nuvioso, com penachos de algodão, nesgas desprendidas nos caminhos.

Por enquanto quero ser levada pelos ventos de qualquer parte. No mar em calmaria sob o reflexo do sol incandescente, com a pele queimando como senti na travessia de Dover a Calais, tendo gaivotas por companheiras. Catadoras de migalhas jogadas no mar.

Espero outros agostos turbulentos com ventanias, ressacas, marolas, carregados de todos os estigmas. Habituei-me com eles.

Serão muito bem recebidos.