WE DON´T DRINK!

" WE DON`T DRINK !" - SURFANDO EM GUARUJÁ.

Essa estória é sobre dois nadadores que se apaixonaram por uma nova mania, na época, que se chamava surf.

Eu, o Di Renzo e o Sérgio Heleno, éramos inseparáveis, quando começamos a surfar. É difícil passar para o papel o que sentíamos em relação a nossa nova descoberta chamada surf. Eu tinha a Enciclopédia Britânica e fiz consulta sobre o surf. Recebi um calhamaço em inglês contando a história desse esporte praticado pelos antigos reis havaianos e levado para os Estados Unidos por Duke Kahanamoku (ver observação abaixo).

O Di Renzo nadava no Corinthians e às vezes ficava uns dias em São Vicente. Eu havia saído há pouco do Serviço Militar e me dedicava ao surf e estudar a noite no Colégio Canadá. Numa segunda feira eu o Di Renzo saímos cedo na Vemaguete (uma perua da DKW Vemag) do meu pai, com a prancha no teto e fomos para o Guarujá. Chegamos à praia das Pitangueiras (centro do Guarujá) e fomos surfar próximo à extremidade da praia, junto ao Morro do Maluf. Só tínhamos uma prancha sem cordinha, ôca, de madeira, que pesava uns 20 quilos. Depois de algum tempo o peso aumentava e era necessário abrir uma tampa roscada e escorrer a água que se infiltrava nos cavernames (estrutura semelhante às dos barcos de madeira para pesca). Colocava-se a tampa e voltava-se para o mar. Como havia uma só prancha para duas pessoas, combinamos de pegar três ondas por vez. O outro ficava na areia da praia, esperando o momento de pegar a prancha. Éramos bem preparados fisicamente, fortes mesmo, queimados do sol, e passar um dia inteiro surfando era brincadeira. Uma bela manhã, ensolarada, praia vazia, mar liso, boas ondas, uma maravilha. O fato de não haver banhistas era uma preocupação a menos. Não havia cordinha e isso fazia com que cada vez que o surfista caia, a prancha era levada pela onda e, muitas vezes atingia uma pessoa que estava na parte mais rasa. Algumas vezes machucava a pessoa, outras o salva vidas era chamado. Sempre era um aborrecimento. Bom, já estávamos surfando há umas duas horas nessas condições maravilhosas. A praia era só nossa. O canto da praia das Pitangueiras fica ao lado de uma rua de acesso ao Morro do Maluf que tinha na época um bom restaurante e uma mureta de pedras onde turistas ficavam apreciando a paisagem e o movimento dos banhistas.

Eu estava na praia e notei que havia um grupo turistas com um guia observando nossa atividade. Saí da água, passei a prancha para o Di Renzo e fui para a areia aguardar minha vez de voltar à água. O guia do grupo de turistas desceu a ladeira, entrou na areia e veio em minha direção. Me chamou e disse que o grupo de turistas eram americanos e queriam nos conhecer. Chamei o Di Renzo e, junto com o guia, fomos até o restaurante onde se encontravam os turistas. Chegamos à mesa dos gringos e o guia, falando em inglês, nos apresentou ao grupo. Uma meia dúzia de olhos azuis e verdes, com ar de admiração, curiosidade e até espanto, se dirigiu àqueles dois nativos bronzeados que estavam surfando com aquela prancha rudimentar. Acho que nem eles conheciam o surf. Ficamos ali parados, nos sentindo verdadeiros trogloditas diante daquele bando de franzinos, mas do primeiro mundo, com suas roupas chiques e drinques caros. Fiquei estático. O guia, após conversar com o líder do grupo, nos dirigiu a palavra: “- Vocês estão convidados a tomar um drinque.” Eu nem sequer havia digerido o convite, o Di Renzo se adiantou e, secamente, disse a plenos pulmões: “-We don´t drink!” Imediatamente o semblante dos gringos se transformou de admiração em decepção. O guia disse que era falta de educação uma recusa, pois era desejo dos americanos nos conhecer e a afirmativa do Di Renzo encerrava qualquer continuidade no contato com os gringos. Pedimos licença e voltamos a surfar. Que bando de chatos!

*Wikipédia: Duke Kahanamoku (Oahu, 24 de agosto de 1890 — 22 de janeiro de 1968), que foi um nadador e surfista norte-americano. Ele foi um dos idealizadores do surfe moderno. Foi em Estocolmo, 1912 que começou a conquistar suas glórias olímpicas, que continuaram durante 1ª Guerra Mundial e foram testadas mais uma vez nos Jogos Olímpicos de 1920 e 1924. No total, foram 5 medalhas conquistadas, sendo três de ouro e duas de prata. Duke largou sua carreira depois dos Jogos de 1924, mas o Havaí continuou famoso. Ele transformou o arquipélago, até o momento pouco conhecido, no lar mundialmente famoso do surfe. Antes de morrer, em 1968, ainda foi estrela de cinema e lançou uma grife de surfistas. Por sua causa, o surfe se espalhou pelo mundo e se tornou um esporte muito praticado e famoso.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 29/08/2014
Reeditado em 09/07/2020
Código do texto: T4942184
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