MARINAS

No azul do céu, nuvens brancas e esparsas mudam de posição a cada instante. O vento leve arrepia as águas paradas na marina, onde barcos, ancorados, esperam um momento de partida. Ao longe, a cidade desponta entre sombras e reflexos do sol.

Homens, com passos lentos, seguram cordas para atracagem e arrumam boias na proa de uma embarcação branca com bandeiras multicores. Prenúncio de partida. Ânsia de se entregar à ventura de navegar em busca de outro porto, na procura de alento para a inquietação. Os outros barcos, enfileirados, também desejam navegar, pois, para isto foram feitos. Aguardam vozes de comando que os façam deslizar sobre as águas, com a leveza das gaivotas em voo livre. Precisam de liberdade para conduzirem sonhos e desejos.

Aqueles barcos disponíveis excitam-me o desejo de cruzar fronteiras e ultrapassar os limites da minha vontade. Viver intensamente, todos os momentos. Abrir o coração para as coisas que elevam o espírito. Barcos que se movem ao sabor do vento são como nossa vida comandada pelo Livre Arbítrio.

Não sou água do mar, revolta com o agito das ondas. Sou água mansa que segue o curso do rio através de caminhos, às vezes sinuosos, mas seguindo sempre a direção normal e estabelecida. Não preciso transigir nem ser contida.

O sol começa a esmorecer. Logo mais, será noite. Este fim de tarde é a seiva que fortalece minha sensibilidade. Quero ser o que sou: verdadeira e simples. Estou, agora, olhando o ritual sagrado da criação. Posso ser mil pessoas, mas eu me basto porque nunca desejei ser outra. Junto minhas palavras em sinal de fortaleza, libertação, e as guardo como pérolas no porta-jóias.

Um homem cruza o pátio em direção ao ancoradouro e espanta os pássaros saltitantes que comem migalhas no tapete verde da relva humedecida. Vozes difusas se perdem no ar. Acho-me em sintonia com o mais íntimo da alma, e o momento é de êxtase. Olho o infinito com o corpo leve e o espírito pacífico.

O sol está cada vez mais fraco. As nuvens, corcundas, começam a mudar de cor. A hora sugere oração e beatitude. Com o tempo no horizonte o campanário de uma igreja, onde um homem, simples e cansado, aciona as cordas do sino que anuncia o fim da tarde. Escuto vozes que me enchem de paz. São os chamados mais bonitos do meu amado. Cantos de amor, ternura, abrigo e comunhão. Metade de um todo. Momentos lindos quando recebo o carinho do meu querido pela manhã ao acordar, sentindo ainda o gosto do beijo que recebi ao adormecer.

Um barco desliza pelas águas cinzentas no começo da noite. Outros, atracam. Chegada e despedida.

Tímidas estrelas começam a aparecer, medrosas e indecisas, sem a liberdade que eu pensei que elas tivessem. Aproveito este momento, quando as cores ficam mais frias e o sol esmorece. Vozes indefinidas se perdem nos tempos que marcaram minha vida. Eu me basto com a pessoa que amo; é minha muralha. Meu ancoradouro. Nossos instantes bonitos são vividos com a intensidade do desejo de aproveitá-los, segundo a segundo, na avidez da exiguidade do tempo.

O prelúdio da noite traz mudanças e o céu está cinza e rosa. O sol mergulhou noutro mundo. A lua, enorme e exibida, surge no horizonte deixando nas águas mansas da marina um rastro de luz prateada.

(Do meu livro os Caminhos de Hasharon)

Cici Araújo
Enviado por Cici Araújo em 31/08/2014
Código do texto: T4944467
Classificação de conteúdo: seguro