VIDA DE MULHER

VIDA DE MULHER

Faltava apenas uma pessoa na fila do supermercado para chegar a sua vez com seus 2 carrinhos cheios, mas aquela velha, constante e inexplicável angústia ali presente muito camuflada pelo seu coração.

Há muito que era assim e tinha aprendido a viver com isso mas, de repente, uma minguada centelha quase imperceptível, uma espécie de som quase inaudível, emitido por náufrago qualquer nos confins dos oceanos, fora percebido por sua já quase esquecida percepção.

Um click, inexplicável reação ou intuição fez com que ela calmamente abandonasse a sua vez, os carrinhos de compras no caixa, e saísse andando numa aparente displicência, nem sabia pra onde ia, mas o caminho a conduzia para a orla do mar, o calçadão, que aquela hora tinha bastante usuários correndo, andando, conversando, parados teclando alguma mensagem, coisas assim.

A tudo ela percebia mas nada via, parecia que passava através das pessoas como se fantasma fosse. E em rápidas visões as lembranças iam e vinham. O Alberto! O primeiro ou segundo namorado, ela não lembrava bem, mas isso não importava, o beijo, o primeiro beijo.... Ainda tinha o gosto dele nas mãos, como se isso fosse possível... A sensação nunca esquecida que direcionaria suas atitudes dali pra frente. Para ela Alberto era o único, seria sempre o único e eles morreriam juntos, velhinhos....

Um sorriso lhe veio a face....João Antônio Albuquerque de Almeida! Nunca esquecera nome tão comprido de aparência importante, mas que era o filho do porteiro 3 prédios adiante do seu, uma paixão lascada, os maiores amassos, namoro escondido da família e a virgindade entregue de bom grado, mesmo porque era com ele que se casaria, com toda certeza, mas apareceu outro João, o João Luiz, tinha discos de Rock, a levava pra dançar e transavam as escondidas na beira da praia no alto da noite. Chegava em casa estraçalhada, areia pra todo lado e sua mãe no pé, seu pai quando não estava dormindo estava sempre com a cara no jornal, dava pra passar em frente e, se não fizesse muito barulho ele nem via, não sabia como, mas desconfiava que ele dormia sentado com o jornal empunhado, sei lá, era mais ou menos assim.

A vida nunca iria acabar e ela seria dona do mundo, consertaria o mundo, marchava contra as injustiças, correu da policia e quase apanhou em passeata. Já tinha lá seus 20, 21 anos , namorados iam e vinham e a imagem de Francisco sempre presente, ela nunca o esquecera, namoro terminado a tempos mas alguma coisa ele tinha que a cativava.

No dia da festa da sua formatura Francisco estava lá convidado por outra formanda, havia tempos que não o via, a chama imediatamente cresceu, peito disparado e tudo estava de volta.

O casamento fora um sonho, o emprego abandonado, a gravidez adiantada de seu primeiro filho, depois o segundo e mais adiante o terceiro.

Francisco trabalhava feito doido, mal se falavam e não raro já dormia com a menorzinha quando ele chegava. Teria uma amante? Não sabia.... A lida com a casa e filhos consumiam todo seu tempo e energia. Foi nessa época que aquela angústia fininha apareceu e nunca mais foi embora.

Uma onda mais forte estourou e ela percebeu que abandonara o calçadão e estava caminhando pela areia, vez por outra molhando os pés. Deu-se conta de seus 48 anos já com varias rugas e nem vira o tempo passar, não o tempo que estava pela beira do mar andando, mas o tempo da sua vida. Nunca percebeu, nunca questionou a direção que tomara, o tempo eterno em frente a TV vendo historias de amor, de heróis e revolucionários, a dedicação obsessiva na criação dos filhos, as esperas na porta das escolas, o preparo do jantar, o banho dos filhos, a falta da vivência do próprio amor que almejara, a falta de respeito por si própria.... As lagrimas vieram a face, os joelhos dobrados para depois deitarem-se na areia e receberem as ondas, um vai e vem a molhava, e chorava, e ria, gargalhava e deixava-se levar, enrolada na água como um tronco de dera na praia vindo lá do fim do mundo boiando, era assim que sentia e foi assim que aconteceu.

O fino vento marinho e frio que a acometeu fez-lhe lembrar onde estava. Levantou-se, mergulhou e limpou seus sapatos na água do mar, de onde saiu em direção a sua casa, perdera as chaves, perdera a bolsa e tocou a campainha.

MÃE onde você estava, o que aconteceu, você não tinha ido ao mercado?

Seu pai já chegou?

Não, mãe mas o que....

Com apenas um sorriso, alguma coisa renovada, o coração e o peito acalmados, ela disse:

Preocupa não meu filho, apenas sujei meu sapato e fui lavar na beira do mar quando uma onda me molhou, acabei mergulhando, vou tomar uma banho....

Gino Bezzi dos Santos

gino santos
Enviado por gino santos em 01/09/2014
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