Caso de setembro.

Foi num setembro triste que ouvi o Cid Moreira anunciando a chegada da primavera. Deve ter sido em 72 ou 73. Eu começava a descobrir que os dias poderiam ser bons, carregados de energia, vida e alegria. Quem sabe, uma promessa de paz.

Eu me lembrei que, anos antes, a professora do primário ensinou a cantar uma música mencionando a primavera, e que essa estação era gentil. Existiam bosques naquela letra. Eu não entendia muito bem esse significado, pois eu morava num apartamento de fundos no Cambuci, mas uma vaga ideia me permeava o espírito. As viagens anuais ao Paraná ou mesmo a Minas me davam uma leve dimensão do significado dessa doce calmaria, morada dos deuses e de reles mortais que, como eu, gostaria de descobrir algumas coisas boas do mundo, mundo vasto mundo.

Então eu comecei a pensar, depois da notícia do Jornal Nacional, que a estação só poderia ser especial, elegante, capaz de carregar a euforia das cores pulsando ao sol. Nunca mais me esqueci de setembro.

E todos os anos fico no aguardo do mês em que as flores vão se descortinando para dar os seus recados perfumados ao sabor do vento que teimam em ser democráticos. O perfume insiste em entrar nos narizes dos bons e dos maus, refrigerando as almas, tentando fazer despertar o que de bom existe escondido nos corações e que temos tanto medo em demonstrar.

Logo cedo, hoje, saboreando meu café Caboclo bem quente com pão de milho artesanal, feito em Santo Amaro da Imperatriz, pensei: primeiro de setembro – começo da II Guerra – ataque nazista a Varsóvia.... não! Não pode ser. Não poderia ser! Primavera não combina com isso – embora na Polônia fosse outono.

Não! É melhor pensar na primavera mesmo, na sua essência, me fazendo lembra o filme infantil em que o Fauno toca sua flauta, feliz e saltitante, anunciando a estação. É como se, anualmente, em forma de ritual, os perfumes das rosas, bromélias, violetas, manacás e jasmins viessem como porta-vozes do Criador distribuindo perdão e convidando os homens e mulheres para o milagre do viver em paz, com sorriso manso e acolhedor. Abraços apertados e quentes e aquele desejo de mais um dia e sem nenhuma preguiça de enfrentar mais uma segunda-feira.

E não importa se o ônibus vai lotado. Existem pássaros que passeiam pela avenida Paulista. Quem sabe na rua de casa existem outros sabiás e que não temos ouvidos sensíveis o suficiente para dar o devido e respeitoso acolhimento.

Importa menos ainda se acabamos de levar mais uma decepção. Mais uma dentre as centenas que já tivemos que enfrentar nessa encarnação! O que interessa mesmo é estar inteiro, em plenitude esse chamado para a vida em extensão maior.

Ouço pássaros aqui na minha janela. O pau-brasil na sua exuberância na porta de casa. Os pés de alface no vaso se espreguiçam demoradamente ao receberem o seu jato de água bem cedo antes da minha caminhada. Os filodendros caminham silenciosamente mesmo no piso frio, pois resolveram ir além do vaso. A vida transborda! Uma melodia encantadora vem dos verdes vales. O divino traz o encantamento sem recato e algum silêncio.

Tempos da ternura do céu visitando as casas. É melhor deixar a vida entrar enquanto temos alguma sensibilidade, alguma pureza ao nos darmos o direito de criar, no coração, um espaço para a liberdade. Liberdade de sentir o aroma da terra, liberdade de ter guardado no peito o sentido do respeito pelo universo e a liberdade de não ter nenhum constrangimento de desejar a todos UMA FELIZ PRIMAVERA.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 01/09/2014
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