aniversário

Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!... (A. de Campos)

Despertador toca todo dia às 7h da manhã. Todo dia a mesma rotina: Trabalho, estudos. Porém, hoje seria diferente, ele não iria trabalhar: pediu folga, iria compensar as horas depois.

Levantou, espreguiçou com o máximo de força até sentir-se alongado. Fazia já alguns raios de sol. Chover não chove, pensa, assim espero!

Se arruma no seu tempo, como se fosse trabalhar. Primeiro agradece à Deus por mais um dia, troca-se, faz o café, vê as notícias pela manhã, pega algumas sacolas com mantimentos e uma caixa, põe no carro, vai se despedir da mãe.

- Há essa hora acordado, filho? Decidiu que vai trabalhar?

- Vou trabalhar hoje na fábrica não, mãe!

- Mas por que acordou cedo então? Achei que folgaria para dormir mais, já que hoje é seu aniversário...

- Vou sair, preciso fazer alguns compromissos.

Ela sorri; ele apostou que aquele sorriso e olhar era de alguma lembrança que vinha na cabeça dela, alguma recordação dele pequeno.

- Feliz aniversário, meu filho, meu grande Lucas Evandro! Parece que foi ontem, há 22 anos, que eu peguei você pela primeira vez no colo...

Os dois se abraçam. Ele a beija, e bom trabalho hoje, mamãe! À noite nos vemos, vamos comer fora.

Abençoa-o, e ele sai de carro.

Fora um percurso longo, demorou 40 minutos para chegar ao destino: um sítio, com gramado alto a ponto de cobrir as pernas dos trabalhadores por ali. Bateu um nervosismo, e se não gostarem de mim? Mas tentarei. Respirou e seguiu em frente.

A casa do sítio era a mais rústica que poderia ser: pisando entre as madeiras, ouvia-se os ruídos ao redor, então Lucas se deparou com uma moça de óculos, saia rodada e longa, blusa estilo camiseta:

- Olá senhorita, procuro por dona Maria Teresa.

- Sou eu, e você quem é?

- Sou Lucas Evandro, nos falamos por telefone...

- Ah sim! Nossa, muito obrigada por vir...não sabe a satisfação que isso causa em nossa casa!

- Acredito....bem, onde estão as crianças e onde posso me trocar?

- Humm ok, para se trocar segue este corredor até o final, e já vou preparar as crianças no pátio.

...

E o seu clow surgi. Sr. Mister Boi, chamava. Nariz vermelho, roupa xadrez, chapéu e botina. Foi de encontro com as crianças. Espero que gostem, pensou! Saindo da tal caixa, trazia um mundo novo para aqueles órfãos. Passou aquela tarde fazendo piadas, brincadeiras e distribuindo doces. Levou algumas cestas básicas, e ajudou no preparo do café da tarde dos pequenos. A dona do recinto foi ao seu encontro durante o café:

- Não sei como agradecer, foi lindo! A energia das crianças, a animação. a harmonia... como posso retribuir?

- O sorriso em seu rosto e nos das crianças já vale por tudo isso! É bom receber esse tipo de elogio, essa harmonia, energia positiva. Não sabe o tanto que fez meu dia mais feliz.

E beijou a mão de Maria Teresa. Se aprontou, continuou conversando com os trabalhadores do sítio, despachando algumas sacolas com comidas, que estavam no carro de Lucas.

Já era tarde, umas 20h, quando chegou em casa. Na sala, estava sua mãe deitada, levemente sonolenta, no qual levantou correndo, arrumando uma mesa com bolo.

- Já estava preocupada menino! Mas enfim em casa...parabéns! Fiz um bolo de pêssego, como você gosta...

- Não precisa gastar essas coisas comigo, mãe. Sua presença basta...

- Fiz questão! Parabéns pra você, nesta data querida.

.

- Sinto falta das festas aqui em casa, quando você trazia seus amiguinhos...

- Crescemos, mãe, crescemos! Recebi umas mensagens durante o dia...

- Você foi fazer o que alias?

- Ver crianças no orfanato mãe, alegrar seus dias...

- No seu aniversário?

- Não há presente mais verdadeiro mãe, mais digno pra esse dia tão especial. Sabe, cansei de esperar das pessoas alguma coisa, poucos vão corresponder ao que queremos, mas quando se trata de colaborar com pessoas que não conhecemos, não existe sorrisos mais sinceros, ou críticas mais sinceras...o desconhecido é magnífico mãe, ajudar sem nada em troca me da a esperança que perdi sobre esse mundo.

- Gostaria de ter trazido com o tempo sua infância, para que aproveitasse esse dia pra você!

- E aproveitei mãe, estou até exausto! Bem...pra não dizer que não pensei em mim, trouxe algo para nós.

Foi até o carro e pegou uma caixa de pizza e uma garrafa. Como você gosta mãe, acompanhado de um vinho!

E passaram ali, em cima do terraço simples de sua casa, olhando as estrelas.

- Fico feliz meu filho, em ver que no seu aniversário, posso perceber o quão homem se tornou.

E ali permaneceram, admirando a lua redonda, gorda e branca, até dar a meia-noite e tudo voltar a sua rotina.