Metafísica

Eu sou apenas eu mesma (meishma, como você gosta de ouvir). Apenas sou-me. Soou-me agora aquele vento de fim de inverno, assobiou-me, mas não fui vê-lo. Enrosquei-me por sobre as minhas próprias pernas e fiquei em posição fetal, alisando a minha barriga sentimental. Olhando para dentro de mim "meishma". Sou metafísica, sou barroca, sou asiática (dizem), sou até etílica sem tomar umas. Sou essa coisa cíclica, não me vingo do tempo, mas choro com ele. E me viro do avesso e arrefeço. Logo eu que sou tão quente e fria nas extremidades. Que nem bicho. Meu nariz é de esquimó, meus pés de aborígenes nus e minhas mãos de açougueiro cruel que retalha as pobrezinhas das carnes dos bichinhos defuntos.

Eu sou metafísica. Eu sou desfragmentada. Eu sou desconjuntada. Eu sou eu "meishma"

Queria ser abstrata, mas não sou metafísica? Queria ser a real. A dona desse teu pedaço. Mas sou metafísica. Não pairo com anjos, mas já falei nas suas línguas. Numa linguagem universalmente bela. Eu chorei com eles na catedral. Eu chorei no banquinho da praça pública. Eu chorei sem ver ninguém. Eu ri de mim "meishma", lógico, eu sou metafísica. Sou ilusória e desmedida sem ter a mínima noção de espaço. Me lembrei agora dos Astronautas de Mármore, eles cantavam a minha alma.

E com tudo isso, até sou distinta. Minto pouco. Fantasio muito. Fico séria. Não rio solto. Mas gargalho de vez em quando. Soou-me novamente o vento lá fora, melhor eu fechar as janelas da sala ( ou escancará-las). A minha sala me aquece, acreditem. Ela tem espaço para mim, para os meus Dvd's, para os meus jogos de aventuras, para o apartamentinho da minha pombinha Cindy e para os meus outros bichanos que eu cuido. Adoro cuidar (de bichos e da natureza).

Ando "meioquedebanda" dando ombradas nas paredes. É que os meus olhos ainda enviesados, e me parece que serão definitivamente assim, eles me desnorteiam. Tenho até uma bússola por dentro de mim "meishma", mas a danada me engana e me atropela. E fico áspera. E fico dura com os acontecimentos. E fico gélida feito as rãs coladas nos ladrilhos do meu banheiro. E fico lisa. Mas nunca vi a Mona de perto. E sinto tudo me remoer. Me ensandeço mas não quebro os quadros que porventura são barcos à deriva em alto mar, uns eu pintei, brinquei de ser artista, outros comprei nas mãos de cambistas. Quando os olhei quase vomitei sentindo o balanço triste das águas e dos meus olhos caídos em pálpebras. Sou enviesada. Vejo tudo de viés. Os meus olhos rasgam no espaço e cegamente sinto-me por dentro. Porque sou metafísica, louca, doida, quieta, autista, bipolar, emudecida, budista ... inventando sussurros com a minha timidez. Espalhando fundo musical da metro com aquele leão rugindo, e nem me espanto rindo, quando converso com a essência de ser eu "meishma". Mas juro de pés juntos e dedos cruzados às costas. Não sou metafísica.

Kathmandu
Enviado por Kathmandu em 17/09/2014
Reeditado em 18/09/2014
Código do texto: T4965820
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