UM CAUSO DE ONÇA

Vicentina dos Santos Vasques Xavier

O Klebi chegou primeiro estalando as juntas das pernas e anunciou que a onça enjaulada estava chegando sobre um caminhão que fora emprestado do Seu Rubens, da serraria São José, no município de Porto Murtinho.

Há dias ouvíamos histórias da tal onça-pintada que estava comendo gado nas fazendas circunvizinhas, chegando ao ponto de retirar os bezerros do piquete à noite.

Aconteceu que em um final de tarde o Klebi foi recolher os cavalos e viu a onça rondando os animais. Os donos das propriedades e os peões não sabiam mais o que fazer para capturar ou afugentar a fera.

Então, uns oito homens mais o Klebi resolveram se juntar e saíram em busca da danada – armados de cartucheiras e garruchas, entre outros apetrechos, partiram para a morraria. Chegando lá encontraram a fera que correu para dentro de uma gruta. Seu José Loureiro tinha dois cachorros, o Leão e o Brasino, que entraram no buraco, porém não voltaram para o seu dono, foram devorados pela onça.

Diante da tal façanha da bichona – como dizem na minha terra - os valentes caçadores resolveram construir uma jaula de madeira bruta e colocaram na saída da gruta, a fim de prenderem a pintada comedora do gado. Depois disso, voltaram para seus ranchos na esperança de que o felino saísse da toca na boca da noite.

Passaram-se menos de dois dias e duas noites e o bicho foi encontrado preso dentro da jaula e trazido para a fazenda do Seu Caubi onde o Klebi trabalhava como peão, cuidando dos animais.

Foi assim que o Klebi anunciou a chegada do furioso felino vindo da Santa Otília, contou que o animal vinha bufando, com a respiração ofegante em cima do caminhão vermelho, falou que tinha uma espuma esbranquiçada que saía pelos cantos da boca e escorria para os grossos pelos do pescoço, os olhos brilhantes e arregalados chispavam raivosos.

Os nove valentes caçadores de onça desceram do caminhão carregando a pesada jaula enquanto contavam fabulosas histórias sobre o bicho de olhos flamejantes e decidiam quando empreenderiam a viagem para a cidade de Jardim e depois para Campo Grande. Proseavam sobre como alimentariam o bicho durante a longa viagem, se lhe dariam água e o que fariam caso a fera resolvesse quebrar a jaula e saltar no meio do povo.

As mulheres da fazenda do Seu Caubi e as crianças ficaram mais ou menos longe do bicho observando o desenrolar das cenas. Os mais proseadores, curiosos e palpiteiros eram os homens que não se cansavam de olhar e até cutucar a fera. Em dado momento um deles tomou uma taquara e tocou a onça, quando esta levantou a monstruosa pata e quase tomou a vara do ingênuo homem. Foi um oh! báh! Nesse instante as mulheres correram procurando por seus filhos.

Nesse dia a rotina da fazenda mudou. E num rápido sapoitê as mulheres prepararam um carreteiro com mandioca cozida que foi servido para os exaustos homens de tanto trabalho com a onça.

Enquanto comiam o quebra-torto decidiram que levariam a onça para Jardim, que depois de muito se mostrar em Campo Grande seguiu para Brasília.

Este causo de onça se deu nos finais dos anos 60, em uma fazenda às margens do rio Perdido, pertencente ao Seu Caubi, em que meu pai trabalhava como campeiro.

E para tranquilizar a Polícia Militar Ambiental registro, ainda, que a tal onça comedora de bezerros e cachorros, capturada por meu pai e seus amigos, morreu feliz e farta de dias.

Bom tempo aquele em que as onças corriam atrás de homens e animais.

Vicentina Vasques
Enviado por Vicentina Vasques em 22/09/2014
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