Sonho ou realidade?

Meia luz... Riscos entrando pelas frestas da veneziana dando brilho ao encontrar a parede branca do quarto. Foi a primeira imagem vista ao acordar, ainda zonzo pelo efeito da bebida da noite anterior.

Sonho?... Realidade?...

Naquele primeiro instante, pareceu uma estranha mistura entre os dois.

A memória, a despeito da teimosia do corpo fatigado, rapidamente rolou “flashs”, acrescentando imagens surrealistas, antes não percebidas, monocromáticas, alternando as cores conforme o reflexo da incandescente e pequena luz do sol refletida na parede.

Notou que ainda sentia, na palma da mão, o estremecer úmido e macio, como resposta ao toque suave, longo e ansioso pela descoberta das sensações, delineadas pelas curvas do corpo ardente.

Ah o toque!... O tato!... Mágico sentido que faz vibrar forças, retesar os músculos que, carinhosamente doces, vão guiando os movimentos, despertando instintos outros além dos sentidos, abrindo fronteiras, embrenhando nas florestas do prazer. Inesquecível prazer. Inacreditável.

Sonho ou realidade?...

Retoma a lembrança como imagem disforme, mudando sem que se queira, sem que se defina como gostaria, de agora, lembrar consciente. Apenas manchas coloridas, azuis, amarelas e vermelhas, como reação da exposição da vista ao ponto luminoso. Tenta colocar em ordem, mas sente a dificuldades dos embriagados em restabelecer a compreensão, em discernir entre o real e o imaginário. Com dificultoso exercício mental, consegue apenas divisar contornos, porém nunca fisionomia. Apenas um vulto manchado em leve movimento a contorcer-se respondendo afirmativamente ao agradável carinho.

Ainda sente a intensidade do esforço prestado sem perceber.

Com os olhos fechados por instantes, ouve do inaudível silêncio no quarto à penumbra, a reverberação de palavras murmuradas a esmo, sem nexo, frutos da avassaladora loucura a envolver os amantes. Ressoa como badalar de sinos, golpeados pelo descomunal desejo de possuir, sem os acordos que a mente estabelece entre a razão e o coração, sem as convenções que à luz do dia impõe a si mesmo. Sente perdidamente tomado pelo instinto, pelas marolas que fazem do ser humano o limite entre o ódio e o amor.

Longa noite que tão pouco durara, apressada pelas horas não vistas, não contadas, apenas navegadas como numa viagem em que o tempo não conta.

Dormita ao embalar dos pensamentos, ainda difusos, que relutam a qualquer espécie de ordenamento, de qualquer lógica. Sente o sabor, suavemente picante da mistura, que se torna amargo pela bebida e doce pelo amor. Reconhece o sabor da alva pele, morena pela escuridão. Gosto exclusivo de mel acanelado pela natureza feminina de suave temperança. Sabor de amor.

O passar das mãos pelo rosto, lhe vem à lembrança a suave fragrância exalada por todos os poros. Incomparável almíscar de perfeitas floradas, pairando no ar como refrescante brisa. Agora sim, embriagado pela química reação do perfume com a bebida, se entrega ao prazer do relaxamento consciente, numa luta ferrenha para manter a inconsciência ativa.

Real ou irreal?

Cruel tempo este que se faz explodir pelo irritante despertador. Resta esquecer, pelo dia afora, a solidão amargurada da realidade impiedosa que não tem, dos sonhos, a verdadeira paixão.

Chico Da Mona
Enviado por Chico Da Mona em 22/05/2007
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