Não Vale a Pena

De toda insanidade que presenciei em minha vida, a daquele paciente era a que mais me instigava, mostrara porque há trinta e cinco anos eu decidi me tornar psicólogo, mostrara porque falhei em um casamento de vinte e dois anos e como pessoa há sessenta e um anos. Enfim, não irei mencionar números, números da minha vida, quando a vida de meus pacientes é mais empolgante, ainda mais daquele paciente, coitado estava perdendo os cabelos com a depressão e enchendo a conta bancária com a bolsa de valores, se eu soubesse teria investido no petróleo e com isso pagaria um psicólogo, mas preferi curar o desfalecimento alheio e me afundar cada vez mais dentro de mim. Ele sempre foi tão pontual nas minhas consultas, me orgulhava em soterrar mais um pobre jovem em conselhos supérfluos, então como de costume ele entrou no consultório e sentou-se no sofá.

“Bom dia Doutor”

“Bom dia, o que me conta?”

“Eu faço todas as coisas, mas as coisas não querem que eu as faça”

“Entendo”

“Não, o senhor não entende, com todo respeito”

“Sim, eu entendo, estudei para isso”

“Aposto que não”

“Diga-me uma coisa que você quer fazer, mas esta não lhe permite”

“Eu queria tomar uma dose de uísque, mas o copo não quer minha boca”

“Quando o uísque é barato não vale a pena beber”

“Eu queria fumar um cigarro, mas a fumaça não quer meus pulmões”

“Quando o cigarro é ruim não vale a pena fumar”

“Eu queria andar pela cidade de madrugada, mas a cidade não quer os meus pés”

“Quando a cidade está imunda não vale a pena caminhar”

“Eu queria viver, mas ela não deixa”

“Quando não existe mais “ela” realmente não vale a pena viver”

“Está insinuando que devo cometer um suicídio?”

“Estou dizendo para mudar de vida”