Por Amor À Pessoa Errada

Por Amor à Pessoa Errada

Meu nome é Carlos. Tenho 16 anos, e estudo no Ensino Médio. Sou um garoto bem diferente, pode-se dizer assim... Não gosto de futebol. Na verdade, não sou o tipo de garoto atlético. Prefiro ler um livro ou revista a praticar alguma coisa.

Fisicamente, também não sou muito do tipo “atraente”. Uso óculos, aparelho fixo, várias espinhas no rosto, cabelo loiro oleoso (ou seja, escorrido e lambido), corte meio tigelinha.

Tudo ia muito tranquilamente em minha vida. Bom, tranquilamente entre aspas. Não tinha amigos, vivia sendo importunado pelos “valentões” da escola, e somente era procurado em épocas de trabalhos escolares e prova, apenas também porque tirava boas notas. Mas tudo isso mudou, e muito, quando eu a conheci.

Apenas de olhar para ela, sentia que ia tudo ficar diferente. Quando ela passava, meu coração disparava, meus pensamentos se tornavam confusos, as pernas tremiam, o mundo girava em câmera lenta, e tudo parecia música aos meus ouvidos. Ela era pouco mais alta que eu, longos cabelos negros, que iam quase até a cintura, corpo escultural, olhos claros, umas marquinhas tipo sardas nas bochechas rosadas. Meu Deus, que garota!

Com o tempo, fui me aproximando dela o máximo que podia, mas ela sequer me notava. Não lembrava meu nome, não conversava comigo, apenas ligava para um certo “Gabriel”, um dos valentões da escola. Minha mãe vivia dizendo para mim “ela não presta pra você”, “esquece essa garota, você ainda é novo, vai se apaixonar por outra”. Todos me diziam que ela era a garota errada pra mim, mas eu queria mostrar que não era.

Eu tinha de fazer algo para mudar aquela situação. Aos poucos, fui me libertando do meu casulo de introspecção, e me socializando mais com as pessoas. Percebi que, no fundo, não eram as pessoas que me ignoravam, mas eu que não me aceitava como parte do todo das pessoas. Eu mesmo me isolava, me alienava, por achar que jamais poderia pertencer àquele mundo, sem nem mesmo ter tentado pelo menos uma vez. Mas agora era diferente. Ela exigia que eu me aproximasse, fizesse parte daquele mundo. Se eu quisesse que ela me notasse, deveria participar daquele mundo do qual ela também fazia parte.

Havia lido, certa vez, em um livro de um filósofo grego¹ (que no momento não me recordo) sobre o amor. Havia achado aquilo a maior besteira. Como o amor poderia se dividir em três, e continuar sendo o mesmo amor? Ele afirmava que o amor era Eros, o amor carnal, da paixão, do desejo, o amor que quer sentir-se bem junto da pessoa amada; Filia, o amor fraterno, como uma amizade, o amor que quer o bem à pessoa amada; e Ágape, o amor supremo, aquele que deseja a entrega máxima. Sobre o último, havia visto também nos livros daquele “mago-pop”² que tantos amavam e tantos outros odiavam. Mas ainda sim achava aquilo absurdo.

Absurdo porque, sendo três, eu sentia todos os três por ela: eu a queria junto comigo, desejava todo o bem do mundo pra ela, e fazia qualquer sacrifício por ela. Não sei bem definir esse amor, mas somente sei que eu estava amando. E essa foi a primeira e única pessoa que amei em toda a minha vida.

Sei que era a pessoa errada para mim, porque, em todo esse tempo, ela sequer reparou que eu existia. Sequer notou que eu estava vivo, e sequer nota agora que estou morrendo. É, estou morrendo. Descobri que tenho um câncer terminal, e, de acordo com os médicos, tenho no máximo umas duas semanas de vida agora. E grande parte dessa minha vida, de apenas 16 anos, vivi em função de me fazer notar pela pessoa que eu amo, e ainda por cima sei que essa é a pessoa errada.

Mas mesmo sendo a pessoa errada, não me sinto triste ou insatisfeito, jamais! Porque mesmo que Deus e o mundo me digam que ela é a pessoa errada, como poderiam eles saber a verdade? Era a pessoa errada para eles, mas, do fundo do meu coração, sinto que era a pessoa correta para mim, e digo isso porque:

Por amor à pessoa errada, descobri as maravilhas de ter amigos com quem conversar sobre amor; passei noites insones tentando descobrir uma maneira de me fazer notar; descobri músicas que simplesmente ignorava; ficava encantado com os detalhes do mundo; e tive forças para encarar a morte, porque sei que carro comigo esse amor, e todas as coisas boas que fizeram minha breve vida valer a pena.

Era a pessoa errada de gostar e amar, na opinião de todos que eu conhecia, mas, para mim, era a única pessoa certa que eu poderia amar, e isso era o suficiente. Suficiente porque, por amar a pessoa errada, encontrei a forma correta de viver!

Eduardo Setzer Henrique

¹ O Banquete, de Platão

² O Diário de um Mago, Na Margem do Rio Piedra Eu Sentei e Chorei, de Paulo Coelho

Texto elaborado para um desafio do meu amigo Geovane, que me pediu um texto com o tema “gostar da pessoa errada é a coisa certa”. Muito obrigado geovane, por me fazer perceber um lado do conhecimento sobre o amor que permanecia oculto, até ter de despertá-lo para escrever o texto.

Eduardo Setzer Henrique
Enviado por Eduardo Setzer Henrique em 24/05/2007
Código do texto: T499555